Recentemente, o Governo Federal tentou privatizar o Sistema Único de Saúde (SUS) com uma canetada em um decreto que colocaria em risco o acesso de 80% dos brasileiros à Saúde. Além disso, abriria a porta para desvios de recursos e precarizaria as condições de trabalho daqueles que lutam todos os dias para salvar vidas.
A intenção do canetaço era entregar as Unidades Básicas de Saúde (UBS) para Organizações Sociais (OSs), adotando um modelo ineficaz, excludente e fortemente inclinado à corrupção.
As OSs fingem que são instituições, mas, na prática, são empresas privadas que substituem a administração pública e a contratação de profissionais pelo Estado.
Muitas estão sob investigação e tantas outras já foram processadas e condenadas por envolvimento em fraudes, desvios, pagamento de propina a políticos e governantes, e outros tipos de crimes.
Alto custo e vidas em risco
Um estudo realizado em conjunto por oito universidades brasileiras comprovou que o gasto com as OSs que administram hospitais terceirizados pode chegar a ser 2,4 vezes superior às unidades totalmente públicas. E sem garantia de que haja melhora no serviço.
Mas este gasto superior não resulta em melhores salários ou condições adequadas para trabalhar: as empresas acabam contratando mão de obra mais barata e inexperiente para substituir servidores de carreira, colocando em risco a vida de quem precisa de atendimento.
Segundo o estudo, geralmente o problema não aparece no contrato de gestão inicial, mas sim nos aditivos feitos na sequência. Isso acontece em todas as regiões do país.
Alguns serviços, que tiveram o contrato de gestão inicial divulgado com custo de R$ 250 mil por ano, saltaram para R$ 1,5 milhão por ano. Há casos de um único contrato com 15 aditivos em apenas 12 meses!
Um estudo do Tribunal de Contas de uma capital brasileira mostrou que, nesses casos, os doentes ficam mais tempo sozinhos nos leitos, a taxa de mortalidade geral é maior e há uma ampliação da desigualdade salarial entre os trabalhadores.
Enquanto os chefes ganham acima da média, trabalhadores das demais funções recebem menos que aqueles em funções equivalentes nos hospitais geridos 100% pelo poder público.
Só como exemplo, em outro estado, um dos hospitais gastava anualmente cerca de R$ 30 milhões. Depois da terceirização, o gasto praticamente triplicou: R$ 87 milhões.
Facilidade para a corrupção
Muitas empresas conseguem contratos com o poder público pagando propina para governantes ou gestores (ocupantes de cargos de confiança), que criam licitações fraudulentas para beneficiar os envolvidos.
A contratação de empresas terceirizadas é também uma oportunidade para que políticos (vereadores, deputados estaduais e federais e senadores) também recebam propina por intermediar os interesses privados.
E já que falamos dos aditivos, eles são os preferidos dos governantes corruptos porque são “menos fiscalizados”. É por isso que é bastante comum governos implementarem acréscimos contratuais volumosos ou fazer a renovação muito tempo antes do fim dos contratos vigentes.
Nessas horas, as contas bancárias em paraísos fiscais mundo afora ficam cada vez mais “recheadas”.
Contratos do Ministério da Saúde sob suspeita
Uma auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU, órgão do próprio Governo Federal) identificou um prejuízo de R$ 360 milhões em contratos do Ministério da Saúde para terceirização de gestão no SUS em 2019.
Análises apontaram que contratos que foram firmados com OSs possuíam “irregularidades graves na execução dos contratos, com evidências de fraudes, como a utilização de empresas de fachada e os desvios de recursos para pessoas ligadas a OSs ou ao ente público, bem como pagamentos indevidos”.
Por mais que alguns tentem criar a fantasia de que em seu governo não existe corrupção, os órgãos de controle governamental mostram justamente o contrário (por esse mesmo motivo, há políticos fazendo de tudo para interferir na autonomia desses órgãos).
Reforma Administrativa vai facilitar a corrupção
A proposta de Reforma Administrativa (PEC 32/2020) enviada pelo governo ao Congresso Nacional abre as portas para que OSs passem a gerir as unidades de Saúde Pública e praticamente todas as demais atividades do poder público, em todas as esferas (federal, estadual e municipal).
Como resultado, a tendência é que o país passe a gastar mais, as empresas privadas do setor ganharão mais dinheiro, a corrupção irá aumentar a níveis inéditos e a população terá um atendimento de péssima qualidade.
Políticos lobistas (que trabalham como office-boys dos interesses das empresas privadas) e governantes corruptos estão ansiosos pela aprovação dessa Reforma porque desejam receber as volumosas propinas do empresariado do setor.
A luta contra a corrupção e a responsabilidade com os recursos públicos precisa deixar de ser apenas discurso demagógico e eleitoreiro e passar a ser realidade.
E o primeiro passo é barrar a Reforma Administrativa e valorizar o que é público, que é para todos!
Fonte: É Público, é para todos