Se você trabalha na UTFPR, certamente já ouviu falar dos cursos técnicos integrados de nível médio e sabe da longa tradição da Universidade nessa oferta. Por décadas e décadas, a qualidade do ensino técnico da instituição, antes mesmo de se tornar universidade, fez dela referência. Os cursos eram tidos como sendo de excelência. Tal posição é justa: o ensino médio da UTFPR chegou a ser considerado o melhor do sul do país, ficando em primeiro lugar no Enem na região e tendo o segundo melhor resultado entre todas as escolas públicas. Há pouco tempo, o primeiro lugar do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e o primeiro lugar geral da UFPR também foram estudantes da UTFPR. Além disso, por décadas a instituição foi uma das principais, se não a principal, fonte de técnicos industriais para as empresas do estado.
Entretanto, apesar de todo esse histórico e reconhecimento, é notável por parte dos dirigentes da universidade uma política de isolamento, precarização e fechamento dos cursos técnicos integrados. Os argumentos são dos mais variados, culminando na máxima de que é “orientação do MEC”.
Outros: “Já existe no IFPR”, “Os alunos não seguem carreira, partindo para a engenharia ou outras áreas” (uma resposta clássica do MEC para justificar a suposta necessidade de acabar com os técnicos, desde a época de Fernando Henrique Cardoso), “Faltam professores, já que não é possível contratar professores EBTT (de ensino básico, técnico e tecnológico)”.
Aos dois primeiros “argumentos”, respondemos: ora, já existe a UFPR. Para que a UTFPR tem necessidade de existir, já que cursos como engenharia mecânica também são ofertados na outra instituição? Alguma vez os que utilizam o argumento de que os alunos do técnico seguem para a engenharia já observaram a taxa de evasão nos cursos de graduação, a quantidade de alunos que transitam de curso em curso sem saber o que querem ou a quantidade de pessoas que se formam e não seguem na área? O primeiro curso que deveria ser extinto é o de física, onde há turmas em que os formandos podem ser contados nos dedos das mãos. Também respondemos: nos institutos federais, como o IFPR, a realidade é a mesma, os alunos também seguem para a engenharia. Deveriam, então, ser extintas essas instituições?
A verdade é que os dois argumentos apresentados soam como uma desculpa esfarrapada diante dos ouvidos de qualquer um que os escute, uma forma de justificar o servilismo às políticas do MEC, enterrando a autonomia universitária.
Mas temos então o argumento que poderia realmente significar o “inevitável” fim dos cursos técnicos de tipo integrado: não é possível contratar professores EBTT. Essa retórica é difundida amplamente nos departamentos acadêmicos, aos técnicos administrativos, aos estudantes, e a toda a comunidade, de forma que grande parte acaba acreditando que não há alternativa. De fato, há uma série de empecilhos para a contratação de professores e dificuldades impostas pelo ministério, mas isso também não é exclusividade nossa.
Quando a política de desmonte da rede federal de ensino técnico foi instituída, foram cortadas as verbas e a possibilidade de contratar professores EBTT para as principais instituições. O Cefet-MG e o Cefet do Rio de Janeiro, ambas instituições gigantescas, e dezenas de escolas técnicas pelo país foram afetadas por tal política. Mas, ao contrário dos que buscam desculpas esfarrapadas para justificar sua falta de coragem de defender os interesses da sociedade e de manter as raízes desta instituição, nesses lugares houve muita luta, culminando com um decreto do ano passado que permite a contratação de professores EBTT. (Do email enviado aos estudantes por parte do diretor do campus, por conta dos dez anos da transformação do Cefet-PR em universidade: “(…) Neste percurso de crescimento teve a coragem de manter as raízes que alimentaram suas características e forjaram sua identidade. Somos uma instituição integrada à sociedade. Esta habilidade única de perceber e entender a sociedade, que nos nutre e da qual nos nutrimos, representa o nosso diferencial”. Onde está a coragem e o entendimento da sociedade – dos interesses e das necessidades da sociedade – de que tanto se fala?) Não somente isso: o curso técnico de petróleo e gás da UFPR passava exatamente pelas mesmas dificuldades, mas, após a mobilização dos estudantes do curso, foram tomadas medidas contra o seu encerramento.
Fomos atrás do coordenador desse curso, o professor José Luiz Guimarães. Ele nos explicou que foi firmado um convênio com a rede estadual de ensino, para que os professores do estado deem aula para o curso da UFPR de disciplinas como matemática e física, dentre outras. Segundo ele, hoje o curso segue sem grandes problemas. No último ano, ficou em primeiro lugar no Enem no estado.
Fora isso, há a possibilidade de incluir no contrato dos professores de magistério superior a atribuição de dar aulas para os cursos técnicos.
Como pode ser visto, há como manter os cursos técnicos, há alternativas para sua manutenção, que nunca são expostas para a comunidade. A própria contratação de professores EBTT, objetivo que seria o mais difícil de alcançar, poderia ser conseguida se houvesse vontade política. Sabemos que há coisas muito mais difíceis e que, quando esses senhores têm interesse, são capazes de conseguir.
Mas, por que querem acabar com o técnico, então? Porque, de fato, essa política é a diretriz do MEC, mas, como vimos, não é inquestionável. O fundo da questão é que lutar pela manutenção dos cursos técnicos obriga a direção da universidade a sair de sua zona de conforto, é algo que dá trabalho, que exigiria esforço desses senhores. Na verdade, seríamos excessivamente bondosos em não mencionar a visão ultrapassada dessa gente.
Há pouco tempo nos reunimos com a diretoria do campus Curitiba e a posição de nosso diretor foi clara: “O técnico é desperdício de verba, aqui é uma universidade, lugar para cursos de graduação e pós-graduação.” Claro, isso após ser pressionado a revelar o que efetivamente pensa, depois de todo um sentimentalismo, dizendo o quanto foi uma decisão “difícil”. Ora, que dificuldade há em simplesmente seguir o que vem do MEC em detrimento dos interesses da comunidade?
Nota-se que nosso diretor pensa que uma universidade tecnológica, termo que tanto utiliza, pode ser construída sem cursos técnicos. Essa posição vai contra o que ocorre nas maiores e melhores universidades do país e do mundo, onde há setores dedicados ao ensino técnico e às mais distintas atividades. É repugnante chamar o melhor ensino médio do sul do país de “desperdício de verba”. Um ensino médio que desde tempos quase imemoriais serviu para dar alternativa aos estudantes das escolas públicas que se destacam, para dar-lhes a possibilidade de ter um ensino verdadeiramente de qualidade, coisa que não encontrariam sequer nas escolas particulares.
Para os que pensam como nosso diretor, a construção de um ensino de qualidade pode ser dissociada da prática, num momento em que uma das maiores, se não a maior, das deficiências dos engenheiros recém-formados é a incapacidade de realizar o trabalho “de chão de fábrica”. O problema é justamente a dissociação da prática do ensino universitário. Quando observamos essa situação, vemos o grande diferencial do aluno que faz um curso técnico antes de entrar na graduação. Se não bastasse, a taxa de evasão certamente é menor para alunos que já estudavam na universidade, assim como, certamente, para quem fez o ensino médio na UTFPR a dificuldade das disciplinas é muito menor do que para aquele que veio de uma escola com um ensino deficiente e cheio de lacunas. Da mesma forma, os alunos do técnico geralmente são da região, o que faz suas vidas serem muito mais fáceis do que as de estudantes que vem de outros estados. E se há alunos que não seguem na área, a maior responsável é a própria universidade, com sua política de precarização do ensino e isolamento dos cursos técnicos integrados, que não incentiva os estudantes a decidirem por esse caminho para suas vidas.
Causa indignação a posição que se fez evidente quando nos reunimos com a diretoria. Tratamos de mostrar que não houve diálogo suficiente, que há uma completa desinformação por parte da comunidade, mas fizeram pouco caso. Na realidade, o diretor disse reiteradamente que “havia deixado uma reunião para nos receber”, como quem diz que nos receber era um favor (em vez de obrigação). Ora, isso não era necessário. Não teríamos problema em marcar a reunião para outro momento. Mas a reunião propriamente dita não foi de grande serventia, a não ser para descobrir a verdadeira posição da diretoria. Nossas falas foram interrompidas, e nossos argumentos tachados de inválidos antes mesmo de serem concluídos, de uma forma extremamente desrespeitosa. Essa é a posição de um diretor que durante sua campanha se comprometeu a promover o diálogo com a comunidade. Por acaso se esquece ele de todo o trabalho realizado pelos alunos e servidores, sem o qual, certamente, ele não ocuparia a posição em que está hoje? Alguns devem recordar do intenso trabalho do “UTFPRdenuncia” e dos “panfletões do Gecel”, que enunciaram os desmandos da reitoria na época da extinção do campus Curitiba para transformá-lo em “campus sede”. Onde estaria o diretor sem essa ampla campanha?
Por fim, a oferta dos cursos técnicos integrados de nível médio está prevista como finalidade da UTFPR já no terceiro artigo da lei que dá origem à instituição, sendo risível chamar de tecnológica uma universidade dissociada da prática, que simplesmente decide jogar fora 109 anos de tradição e de serviço à comunidade. Não é possível falar de uma universidade de referência no desenvolvimento de tecnologia para a comunidade sem cursos técnicos integrados, sem uma formação continuada que una teoria e prática. Essa posição faz o “tecnológica” parecer uma piada de mau gosto.
Luiz David Botero Alessi, do Grêmio Estudantil César Lattes (Gecel), da UTFPR.