Há 29 anos aconteceu o I Encontro de Mulheres Negras Latinas e Caribenhas, em Santo Domingo, na República Dominicana. O evento foi organizado a fim de discutir a invisibilidade e as violências sofridas por mulheres negras. Na ocasião, surgiu a Rede de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas, e após muita luta do grupo, o dia 25 de julho foi instituído como o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, pela Organização das Nações Unidas (ONU).
No Brasil, também é celebrado o Dia Nacional de Tereza de Benguela, desde 2014. De origem desconhecida, Tereza fez sua história no país por volta do século XVIII. Ela liderou o Quilombo do Quariterê, o maior do estado do Mato Grosso. Tereza estabeleceu no quilombo uma espécie de Parlamento e estratégias militares de defesa, resistindo a escravidão por duas décadas.
Para a técnica-administrativa em educação Xênia Mello, 36 anos, lotada na UTFPR, a data representa a solidariedade latino americana e o reconhecimento de uma identidade coletiva de raízes ancestrais. “Eu acho que a gente tem muita coisa pra comemorar, temos uma história muito bonita, de muita luta, resistência, construção e potência, e muita coisa pra se enfrentar também.”
Apesar do simbolismo das homenagens, a data ainda é de luta e reflexão. Segundo dados da ONU, 14 dos 25 países com as maiores taxas de crimes relacionados a gênero no mundo, estão situados na América Latina. No que se refere às mulheres negras, a situação é ainda mais problemática. Além de serem as mais afetadas pela violência doméstica e obstetrícia, o percentual de mulheres negras assassinadas no Brasil foi de 68%, de acordo com o Atlas da Violência, de 2018. Este número representa um crescimento de 12,4%, no período de dez anos.
Além das violências, mulheres negras também enfrentam desigualdades em uma série de espaços. Xênia desabafa sobre a dificuldade e o deslocamento de frequentar um ambiente acadêmico branco e elitizado. Ela ingressou no curso de Direito da UFPR em 2003, quando ainda não haviam políticas de cotas, e levou dez anos para se formar.
“Eu percebi o quanto a política de cotas é fundamental para permanência, produção de conhecimento e uma mudança epistemológica mesmo. […] Não é possível produzir conhecimento de qualidade dentro da universidade que não enfrente as teorias anti racistas, decoloniais e das coletividades latino-americanas”.
A técnica-administrativa observa um avanço nas políticas afirmativas mas reitera que há muito o que mudar ainda. “Hoje as pessoas ingressam (na universidade) mas elas não conseguem se formar. A gente tem um índice de evasão muito grande porque essa classe trabalhadora não consegue permanecer na estrutura que a universidade tem, temos que ter mecanismos de permanência melhores”. Além disso, Xênia destaca uma baixa representatividade de gênero e raça nos espaços de poder da universidade: as chefias ainda são majoritariamente monopolizadas pelos homens e pelos homens brancos, ainda que o número de doutoras e pesquisadoras seja superior.
Para a coordenadora do Sinditest Flávia Maria Cordeiro, ainda é preciso avançar muito nos direitos das mulheres negras. “Este dia existe para que possamos dar visibilidade à luta destas mulheres, que têm uma história de resistência admirável e, infelizmente, ainda enfrentam os mais diversos tipos de violência diariamente”. A coordenadora também observa que esta situação se intensifica ao passo que direitos básicos ficam ameaçados, como na pandemia. “Por isso, não podemos de forma alguma relativizar a luta pelas pautas das mulheres negras, afinal a luta das mulheres negras é a luta da classe trabalhadora”.