*Por Eric Gil Dantas
Outubro de 2021 foi o primeiro mês em que os três principais combustíveis (gasolina, diesel e gás de cozinha) chegaram aos seus maiores valores reais do século, como mostra o Monitor dos Preços do Observatório Social da Petrobrás.
E como sempre, Bolsonaro coloca a culpa em todo mundo, menos nele mesmo. Governadores, distribuidores, postos, o fato de a empresa ser estatal… todo mundo tem culpa, menos a política da direção da Petrobras, presidida pelo seu indicado, o General Silva e Luna.
Mas por que dizemos que a culpa é do Bolsonaro?
A composição do preço da gasolina é a que segue. A Petrobras, que extrai o petróleo e refina os combustíveis cobra o equivalente a 33,6% do total do seu preço. Mas os distribuidores devem adicionar à gasolina o etanol anidro (que é o etanol puro), compondo 27% da gasolina comum. Atualmente, esta adição é responsável por 16,9% do custo da gasolina. Também temos os custos com distribuição e revenda, que são as empresas que são responsáveis pelo combustível após a saída da refinaria até a bomba do posto (como a BR Distribuidora, recentemente privatizada e renomeada de Vibra Energia). Este custo equivale a 16,9% do total. Por fim, temos a tributação. A maior delas é o ICMS, que na média equivale a 27,6% do preço final. Depois temos a tributação federal, com a CIDE, PIS/PASEP e COFINS, custando 11,5% do total.
Apesar de Bolsonaro tentar convencer que a tributação é a causa dos elevadíssimos valores atuais para a gasolina, duas coisas desmentem facilmente o argumento do presidente. A primeira é que, no mundo, se tributa bastante combustíveis fósseis, em percentuais muito superiores ao Brasil. Por exemplo, entre os países da OCDE a média de tributação da gasolina é de 53,2% (“The OECD Tax Database”). No Brasil é de 39,1%. Já o diesel tem uma tributação média de 46,4%, enquanto que no Brasil este percentual é de 22,8%. Além disto, o custo fiscal de retirar estes impostos seria um golpe mortal para os cofres estaduais, o que agravaria a prestação de serviços públicos na ponta.
A segunda questão é que a maior parte da tributação é em forma de alíquota (um percentual), e estão constantes ao longo dos últimos anos. Como o imposto é estadual, a decisão de quanto se cobra é do estado. Hoje, este ICMS varia entre 25% (SP, MT, SC, AC, RR, RO, AP) e 34% (RJ). Mas não houve mudança ao longo dos últimos anos, o que mudou foi o preço da gasolina. Quanto maior o preço, maior o imposto. Por exemplo, se a gasolina custa 4 reais em SP, a cada litro pagaremos 1 real de ICMS, mas se o preço for de 6 reais, pagaremos R$ 1,50 deste tributo.
Bem, mas se a culpa não é do governador ou do imposto, por que seria do Bolsonaro?
Porque a culpa é da atual política de preços da Petrobras, nomeada de Preço de Paridade de Importação (PPI). Instaurada em 2016 por Michel Temer e Pedro Parente, esta política de preços define que produtos derivados de petróleo e gás têm como base o preço de paridade de importação, formado pelas cotações internacionais destes produtos mais os custos que importadores teriam, como por exemplo transporte e taxas portuárias. Isto é, mesmo a Petrobras produzindo em território brasileiro cerca de 80% dos combustíveis consumidos no país nós pagamos como se eles fossem integralmente importados. Não só em termos de dólar, mas pagamos até uma tarifa portuária e de transporte inexistentes.
Esta política de preços não se baseia nos custos reais da empresa. Atualmente, o custo da Petrobras para extrair um barril de petróleo (cerca de 159 litros) no Brasil e refiná-lo é de US$ 34, ou seja, um custo de R$ 1,15 por litro (hoje a Petrobras cobra R$ 3,19 o litro na refinaria). O custo de produção em si vem caindo nos últimos anos, pois o Pré-sal possui poços de altíssima produtividade (uma das maiores produtividades do mundo) e petróleo leve (quanto mais leve, mais valoroso).
Além deste preço fictício, o câmbio se deteriorou rapidamente com Bolsonaro e Guedes. Quando o Faria Loser assumiu a Economia, um dólar equivalia a R$ 3,81, hoje um dólar equivale a R$ 5,59, ou seja, uma desvalorização cambial de 32%. Como a cotação está em “preços internacionais”, isto agrava ainda mais o catastrófico PPI.
Os últimos resultados financeiros da Petrobras deixam claro a quem serve o PPI. A empresa já acumula um lucro de R$ 75,54 bilhões nos 9 primeiros meses deste ano, superior a qualquer banco do país, principalmente por conta dos preços do barril de petróleo e dos derivados no mercado nacional. Com lucros tão altos a direção da Petrobras radicaliza a sua política de “tudo aos acionistas”. Com as antecipações da distribuição de dividendos a empresa terá pagado um total de R$ 63,4 bilhões aos acionistas neste ano. Este valor é 5,5 vezes a média dos últimos três anos. Mas isto não significa apenas a farra dos acionistas às custas de preços impagáveis à população, mas também a vitória de uma concepção de curtíssimo prazo. O lucro deixa de financiar novos investimentos, e com isto mais refinarias para garantir o abastecimento nacional. A título de comparação, o dividendo distribuído em relação ao lucro líquido ajustado entre 2018 e 2019 era em torno de 29%, em 2020 este valor foi magicamente superior ao próprio lucro (152%, isto mesmo, a Petrobrás distribuiu mais dividendos do que teve de lucro) e em 2021 deverá ficar em algo como 66%.
Apesar de Joaquim Silva e Luna afirmar que o papel da Petrobras é gerar dividendos e, com isto, a União fazer política social, isto não parece ter tanta lógica, mesmo com um lucro tão alto assim os custos sociais superam em muito os benefícios. Do total de dividendos pagos em 2021, a União deverá receber R$ 23,3 bilhões (ou 37% do total), ou seja, a maior parte vai para o bolso de acionistas estrangeiros (43%) e nacionais (20%). Mas desde o início do ano quanto que o governo federal já gastou ou ainda pretende gastar para amenizar o choque do preço dos combustíveis? Ainda em março o governo federal isentou GLP e Diesel de impostos federais – o GLP de forma permanente e o Diesel por dois meses. Segundo a Instituição Fiscal Independente do Senado, nos dois meses que esta política estaria em vigor o governo renunciaria a R$ 8 bilhões (mais de um terço do total de dividendos). Já o auxílio aos caminhoneiros, proposto pelo Bolsonaro, custaria algo em torno de R$ 4 bilhões (mais 17% do total dos dividendos). Por fim, uma mudança do ICMS nos moldes patrocinados do Arthur Lira custaria R$ 24 bilhões para os estados e municípios (já superior ao próprio montante de dividendos). E nada disto resolveria de fato o problema, só gastaria todo os dividendos para a manutenção de uma política criminosa como o PPI.
Além de tudo isto, a política de privatizações em pedaços da Petrobrás, que já ultrapassa a venda de mais de R$ 239 bilhões de ativos da estatal, irá destruir o poder de o Estado estabelecer preços, diluindo no mercado – mercado este que se transforma dia após dia em monopólios e oligopólios privados. Na verdade, a Petrobras utiliza o que o governo Bolsonaro imagina ser os seus últimos esforços como empresa estatal forte, para estabelecer o mais alto preço possível de derivados a fim de também garantir a entrada destes agentes privados (produtores e importadores), e preparar a venda dos seus ativos, já garantindo uma estrutura de mercado que lhes proporcionem o mais alto lucro possível, lucro este sustentado com a miséria do povo que financiou a Petrobrás e a descoberta do Pré-sal.
Por tudo isto, só teremos gasolina, gás de cozinha, etanol e todos estes produtos a preços justos com uma Petrobras estatal a serviço dos seus verdadeiros donos, os brasileiros.
*Eric Gil Dantas é Economista do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (Ibeps) e doutor em Ciência Política (UFPR).