Por dentro das transformações do serviço público: Um pouco mais sobre trabalho remoto na pandemia

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Em nosso último artigo começamos a discutir o trabalho remoto, que vem se configurando como uma tendência, cada vez maior, no serviço público e na iniciativa privada. A pandemia da Covid-19 acelerou essa tendência. Agora, muitas empresas e órgãos públicos querem manter a experiência, consolidando essa forma de trabalho ou formatos híbridos (presencial e à distância).

Embora sejam confundidos muitas vezes, teletrabalho e home-office não são a mesma coisa. O teletrabalho foi definido na Lei 13.467/2017, uma das recentes reformas trabalhistas. Envolve o uso de tecnologia de informação e comunicação (TIC), exige acordo individual ou coletivo (equipamentos e custos, por exemplo). Em regra, não há controle de jornada e as normas de saúde e segurança são passíveis de negociação.

Já o home-office tem previsão genérica na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), podendo ou não envolver tecnologia de informação e comunicação. Seu caráter é eventual e abrange o trabalho em domicílio. Pode ser adotado por política interna da empresa, não exigindo contrato e mantém as condições do trabalho presencial.

Além do trabalho em domicílio, dois novos modelos têm sido adotados pelas empresas e também por órgãos públicos. O primeiro deles é o trabalho remoto em polos, também chamado de coworking. E, temos ainda, o officeless, conceito que abrange trabalhar de qualquer lugar.

A principal tese dos defensores do teletrabalho é a de que as relações de trabalho intermediadas pelas TIC teriam o potencial de viabilizar qualidade de vida e bem-estar.  Essa tese foi defendida a partir do conceito de “inovação disruptiva”, um termo que foi cunhado pelo economista norte-americano Clayton Christensen, professor da Universidade de Harvard.

Rompendo com os paradigmas que orientavam a organização do trabalho, o teletrabalho traz embutido as ideias de desterritorialização e atemporalidade, subvertendo a forma concentrada de espaço e tempo que nortearam as relações até então.

A implantação desse novo modelo de trabalho remoto, durante a pandemia, teve características bem marcantes: o improviso; a precarização das condições de trabalho; a exposição de deficiências na infraestrutura, na formação inadequada dos trabalhadores e nas dificuldades da população em lidar com as formas remotas.

Além disso, surgiram novas doenças ocupacionais geradas pelo novo regime de trabalho, trazendo à tona conceitos como o “direito à desconexão” e a “solidão do trabalho”. A esfera privada da vida foi invadida e se misturou com a esfera do trabalho, trazendo impactos: econômicos (despesas, perda de benefícios como transporte, alimentação, adicionais etc.) e emocionais (violência doméstica, assédio moral virtual etc.).

No entanto, a aparência dos efeitos iniciais resultou numa boa acolhida pelos trabalhadores quanto ao trabalho remoto. Quais foram esses fatores ou efeitos iniciais?

O primeiro deles, a diminuição do tempo despendido no transporte público ou no trânsito dos centros urbanos, estacionamento etc. O segundo a possibilidade de maior convivência com a família. O terceiro, levar uma vida mais saudável: hábitos alimentares, fazer uma caminhada pela manhã, ir à academia etc. Ainda, quanto à economia, diminuir os gastos com vestuário, maquiagem etc. E, por fim, a tranquilidade, que se expressou em algumas declarações obtidas em pesquisa; “posso ouvir música enquanto trabalho”, “uso a roupa que eu que eu quiser”.

Tudo isso ocorreu a despeito de muitos trabalhadores terem despendido recursos próprios para a realização de suas tarefas, não terem tido treinamento para o trabalho remoto, não terem espaço físico adequado em sua residência, terem tido aumento da jornada diária de trabalho, a introdução de um regime de metas e produtividade, perda de privacidade e a invasão da esfera privada pelo trabalho.

As pesquisas realizadas no início da pandemia mostraram o alívio que o trabalho remoto trazia, naquele momento: 96% das pessoas consideraram o trabalho remoto como necessário devido à pandemia e viam mais elementos positivos do que negativos!

Essa percepção viria a mudar com o prolongamento do trabalho remoto em domicílio durante a pandemia. A maioria dos trabalhadores começou a entender que teletrabalho e home-office eram apenas novos modos de trabalho e não um benefício. Essa nova percepção fez com que reivindicações surgissem e, dentre elas, o auxílio psicológico tornou-se um dos novos auxílios oferecidos pelos empregadores.

Houve cortes de direitos e o mais corriqueiro foi o do vale-transporte (19%). O benefício mais valorizado foi o auxílio médico (77,8%). Novos benefícios passaram a ser reivindicados e recebidos durante a pandemia, dentre eles o apoio psicológico (14%), seguido por notebooks (11%) e auxílio financeiro para montar home-office (8%).

Desta forma, o trabalho remoto passou de aspiração para uma realidade longe do ideal.

A partir dos dados de uma pesquisa que envolveu 4.798 comentários de perfis de brasileiros no Twitter, Instagram, Facebook e comentários de portais de notícias, entre janeiro e outubro de 2020, identificamos que a satisfação com o trabalho remoto caiu de 71,3% para 45% a partir do momento em que a rotina se tornou permanente. 

As principais razões apontadas foram o excesso de jornada, o controle do tempo, disponibilidade para a empresa e ausência de desconexão.

Outras razões também foram apontadas, dentre elas a distração do ambiente doméstico, infraestrutura inadequada que causava estresse e dores no corpo, solidão e falta da interação com os colegas de trabalho.

Esse novo cenário exigiu dos sindicatos criatividade no enfrentamento à situação, gerando novas demandas e reivindicações, além de novas estratégias de mobilização, temas que vamos abordar nos próximos artigos.

 Cacau Pereira é pesquisador do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (IBEPS) e colabora com o Departamento de Formação do Sinditest-PR.

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