Por Cacau Pereira
O assédio moral nos locais de trabalho tem exigido dos sindicatos uma atenção cada vez maior aos seus representados. A violência moral contra trabalhadoras e trabalhadores do serviço público ampliou-se nas últimas décadas, acompanhando um ciclo de reformas estruturais do Estado, que enfraqueceu a capacidade de investimento público, privatizou empresas e áreas estratégicas da administração e reduziu drasticamente os direitos trabalhistas.
Essa é, na verdade, a realidade em todo o mundo. As mudanças estruturais do capitalismo na segunda metade do século XX, com a globalização da economia, as mudanças na gestão empresarial, a precarização do trabalho e as já citadas reformas do estado são o pano de fundo dessa realidade.
Assim como as empresas se adequaram ao modelo de concentração e competição capitalista, com profundas alterações na organização da produção e do trabalho, vimos esse modelo ser transposto para a gestão do Estado, com as privatizações, os contratos de gestão, OSs, OSCIPS, PPPs, concessões, terceirização de serviços, etc.
No que diz respeito aos servidores, sofremos inúmeros ataques à estabilidade no emprego, com ampliação do estágio probatório, avaliação de desempenho discricionária, metas de desempenho cada vez mais absurdas, introdução do teletrabalho e de formas de remuneração variável, dentre outras medidas de flexibilização.
O assédio moral, entendido como a exposição dos trabalhadores a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas, durante o horário de trabalho e no exercício de suas funções, tornou-se corriqueiro.
Situações que ofendem a dignidade, a integridade física ou psíquica do trabalhador, que trazem danos à personalidade, que colocam em risco o seu emprego ou degradam o ambiente de trabalho, tornaram-se rotina no mundo da nossa classe.
Hoje, já não trabalhamos o conceito do assédio moral como uma conduta de determinado chefe ou gestor voltados à violação individual de determinado trabalhador, embora isso ocorra. O melhor entendimento da matéria nos leva a refletir sobre o quanto o assédio moral tornou-se um instrumento de gestão, institucionalizado a partir das exigências cada vez maiores ao servidor público, expondo, em cadeia, trabalhadores de diversos níveis hierárquicos.
A necessidade de um novo enquadramento em face das mudanças no serviço público
Hoje, a maioria das entidades sindicais busca compreender o dano e o assédio moral como coletivos, que violam o meio ambiente do trabalho, a saúde e a segurança ocupacional de uma coletividade de servidores. E, daí resulta um novo entendimento, que comporta o que chamamos de assédio moral institucional e assédio moral organizacional.
O assédio moral coletivo configura-se, nessa perspectiva, como estratégia de gestão, atribuindo ao servidor metas abusivas, cobrando altíssima produtividade, impondo a competitividade entre os próprios trabalhadores, além de avaliações de desempenho discriminatórias. O papel das chefias e gestores deve se enquadrar nesse modelo, sendo que muitos “chefes” são também assediados por seus superiores.
Esse “mal estar no trabalho” tornou-se a regra, um modelo permanente e recorrente. A expressão foi utilizada, primeiramente, pela autora francesa Marie-France Hirigoyen, ao lançar a obra “Mal-Estar no Trabalho”, em 2001. A autora, de maneira premonitória, definiu o assédio moral como uma “guerra psicológica”, envolvendo abuso de poder e manipulação perversa, fatores responsáveis por prejuízos à saúde mental e física das pessoas.
Durante a pandemia – apesar da distância física imposta aos servidores em trabalho remoto e seus superiores hierárquicos – o assédio moral não só não se deteve, como ganhou corpo uma nova modalidade: o chamado assédio moral virtual.
Esse será o tema do nosso próximo artigo.
Até lá!
Cacau Pereira é pesquisador do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (IBEPS) e colabora com o Departamento de Formação do Sinditest-PR.