Por dentro das transformações do serviço público: Em que consiste o assédio moral virtual

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Por Cacau Ferreira

Com o avanço da tecnologia, a utilização de canais virtuais de comunicação tornou-se corriqueira em praticamente todos os espaços laborais. Desta forma, o controle do trabalho executado pelos empregados já não precisa ocorrer num espaço físico determinado, por um chefe determinado.

O controle do tempo sempre foi um elemento de conflito e disputa entre capital e trabalho. A luta pela redução da jornada de trabalho, inicialmente para oito horas diárias, foi parte das reivindicações da classe trabalhadora em luta contra a exploração.

Atualmente, com os meios de comunicação existentes, não temos mais necessidade, em vários ramos de produção, do empregado trabalhar na sede da empresa, podendo exercer seu labor em casa, no trânsito, num café…

Essa mudança do “ambiente” de trabalho coloca os sindicatos diante de novos desafios. As empresas – e também os serviços públicos – conseguiram, por meio dessas formas de comunicação virtual, acelerar o ritmo e a intensidade do trabalho.

Dessa modalidade de trabalho à distância surgiu o que denominamos assédio moral virtual, mas que, também, pode ser chamado de tecnoassédio, teleasssédio, assédio moral eletrônico, assédio moral digital, cyberbullying, dentre outras nomenclaturas.

O assédio moral virtual é a expressão do termo, já discutida no artigo anterior, transposta para um ambiente virtual. Ou seja, são situações recorrentes de humilhações, constrangimentos, importunação, ridicularização, agressões, discriminações, seja através de palavras e expressões que ofendem o empregado ou causem o seu isolamento do grupo de trabalhadores ou, ainda, que exponham esse empregado perante o grupo.

Diversas são as formas em que o assédio moral virtual pode se manifestar. Dentre elas, podemos citar o desrespeito ao horário e ao ritmo de trabalho; aumento de tarefas injustificadamente; exposição pública do trabalhador como a criação de rankings de produtividade; bloqueio à ascensão profissional; invasão do ambiente doméstico, dos finais de semana e férias, com o envio de mensagens, ordens e cobranças; “cancelamento” ou isolamento em grupos de mensagens e reuniões virtuais; envio de figuras e mensagens depreciativas; utilização de expressões preconceituosas quanto à gênero, raça, etnia, diversidade sexual, crenças religiosas, ou mesmo quanto à vida privada, origem social, nacionalidade do trabalhador; além de sabotagens, invasão de dados e outras formas de constrangimento ilegal. Podemos ainda citar o desrespeito à condição de saúde, desrespeito às gestantes, negativa em fornecer equipamentos de trabalho e de proteção individual.

Todas essas condutas, se afetam a dignidade, a integridade física e emocional do empregado, podem configurar-se em assédio moral virtual. São todos elementos muito importantes de serem observados no dia a dia e na contratação coletiva, tendo em vista o avanço do teletrabalho nos tempos atuais.

A identificação desse tipo de conduta nem sempre é percebida pelo trabalhador ou trabalhadora. Muitas vezes, essas situações recorrentes são levadas na brincadeira, normalizando condutas de desrespeito junto a uma coletividade de empregados e prestadores de serviços.

É o que denominamos de assédio moral virtual organizacional. Esses conceitos – assédio moral organizacional e assédio moral institucional – foram desenvolvidos no artigo anterior. Se você perdeu, dá uma olhadinha lá.

Como podemos caracterizar o assédio moral virtual institucional e organizacional? As características são as mesmas presentes nas formas típicas de assédio moral “presencial”: conduta abusiva habitual; o público alvo deve ser uma coletividade; a forma de organização da empresa e o atingimento de seus objetivos – metas de produtividade, por exemplo – dependem desse modelo; desrespeito ao meio ambiente de trabalho saudável, à dignidade e integridade do trabalhador ou trabalhadora.

Direito à desconexão

Presente na legislação trabalhista de alguns países, essa reivindicação ganhou destaque durante a pandemia da Covid-19, em todo o mundo. As pautas reivindicatórias dos sindicatos passaram a incluir esse tema.

Trata-se do direito que todo trabalhador e trabalhadora têm de aproveitar o seu tempo livre, fora da jornada regular de trabalho, seja para atividades de lazer, convívio com familiares e amigos, estudo, prática de esportes etc.

No Brasil ainda não há legislação específica sobre o tema, apesar da sua relevância e da configuração, mais do que evidente, do direito à desconexão como parte dos direitos sociais da população trabalhadora.

A Consolidação das Leis do Trabalho equipara “os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão (…) para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio”. É o que diz o parágrafo único do artigo 6º da CLT.

No nosso próximo artigo aprofundaremos um pouco esse tema tão relevante: o direito à desconexão.

Até lá.

 Cacau Pereira é pesquisador do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (IBEPS) e colabora com o Departamento de Formação do Sinditest-PR.

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