Por Cacau Pereira
A pandemia da Covid-19 acelerou, em escala planetária, uma série de experimentos que já faziam parte das novas formas de organização da produção, da circulação de mercadorias e da prestação de serviços, nos setores público e privado, além de ter trazido outros impactos à vida da população.
Com este artigo iniciamos uma série que, ao longo de 2022, pretende abordar esses temas, com ênfase nas mudanças que vêm ocorrendo entre os trabalhadores e trabalhadoras do serviço público no Brasil.
A lógica empresarial que permeia as orientações governamentais no Brasil, notadamente quanto à oferta e prestação dos serviços públicos, já havia introduzido mudanças importantes, gerando precarização das condições de trabalho e instabilidade para os servidores.
Não se trata de um processo nacional, mas de uma tendência mais geral, em todo o mundo, nas últimas décadas, que vem demolindo as bases do chamado estado de bem estar social nos países de economia mais avançada, notadamente na Europa, mas também atacando e destruindo as conquistas sociais em países da periferia da economia capitalista, como o Brasil.
Foram inúmeras as reformas nas áreas trabalhista, previdenciária e administrativa que afetaram, no caso do Brasil, o arcabouço de proteção social conquistado com a Constituição da República de 1988. Os exemplos são inúmeros e os reflexos na organização dos serviços públicos também.
As privatizações em larga escala, as terceirizações, as parcerias público-privadas, a gestão de setores da administração pública pelo terceiro setor, a criação das agências reguladoras, dentre outros exemplos, expressam essa mudança. Ao longo do tempo, a administração do Estado – em sua concepção mais geral – foi se afastando do modelo tradicional ou burocrático, sendo incentivado um novo modelo gerencialista, voltado ao mercado, limitando em muito a proteção social aos mais pobres e vulneráveis.
Essas mudanças também alcançaram os direitos dos servidores públicos, notadamente com as mudanças regressivas no regime jurídico único, quebrando a norma de ingresso no serviço público preferencialmente por concurso, as regras de aquisição da estabilidade no emprego e de proteção dos vencimentos, quando da inatividade por aposentadoria, principalmente .
São, portanto, duas faces de uma mesma moeda: a redução da oferta de serviços públicos de maneira universalizada para a população – de um lado – e, de outro, a piora gradativa das condições laborais dos servidores do Estado, em todas as esferas e áreas de atuação, quase sem exceções.
Como afirmamos no início deste texto, a pandemia da Covid-19 acelerou experimentos que já vinham sendo introduzidos no universo do mundo empresarial e também dos serviços públicos. Destacamos, dentre eles, a crescente digitalização dos processos de atendimento, escuta e avaliações virtuais; a utilização em larga escala da inteligência artificial; o uso de aplicativos; as compras on line; a educação à distância; a ampliação do trabalho realizado fora do ambiente das empresas, remotamente ou em domicílio; o home-office e o teletrabalho, dentre outras tendências.
Apesar do caráter aparentemente improvisado dessas ações no início da pandemia, tanto as organizações empresariais quanto os serviços públicos se adequaram, ao longo do tempo, ao “novo normal”, o que resultou, em diversos setores, numa economia significativa de custos de produção.
O prolongamento da pandemia, principalmente pela ausência de uma política de combate ao Covid-19 coordenada desde o governo federal, também contribuiu, em alguma medida, para a assimilação de novas políticas organizacionais no mundo do trabalho.
A produtividade cresceu, novas ferramentas passaram a controlar o tempo trabalhado e as metas de produtividade, a desconcentração de contingentes de trabalhadores fez emergir novas formas de controle do processo e do exercício da subordinação no novo ambiente de trabalho.
Como em outros momentos de reestruturação produtiva, os trabalhadores também se viram vítimas de novas formas de adoecimento físico e mental. Essas mudanças, decerto, também afetaram, direta e indiretamente, o associativismo e a organização sindical dos trabalhadores.
Novas formas de resistência adentraram o mundo da organização coletiva daqueles que vivem do trabalho, como as greves sanitárias. Novas pautas reivindicatórias surgiram desse momento tão conflitivo.
Da parte patronal e do Estado, o que era transitório passou a ser visto como formas possíveis de reorganização das cadeias produtivas, de distribuição e prestação de serviços, aumentando o ritmo do trabalho e exploração sobre os assalariados.
E, da parte dos trabalhadores e seus sindicatos: quais as conclusões que podemos tirar desse momento? Como devemos nos organizar nesse novo ambiente de reestruturação do mundo do trabalho? Como manter acesa a chama da solidariedade e do companheirismo, da organização coletiva em defesa dos nossos direitos, evitando os riscos da dispersão e do individualismo?
Esses serão alguns dos assuntos que serão tratados nos próximos artigos dessa série que, esperamos, possa ajudar na organização dos servidores e na sua luta em defesa dos direitos.
Cacau Pereira é pesquisador do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (IBEPS) e colabora com o Departamento de Formação do Sinditest PR