*Por Eric Gil Dantas
O ministro da Economia Paulo Guedes, em texto anexo à PEC 32/20 (Reforma Administrativa), disse que “o Estado brasileiro custa muito, mas entrega pouco”. Como já é de costume em suas políticas econômicas, ele nunca define ao certo suas frases de efeito. Neste caso, ele não argumenta nem o que é custar muito, muito menos o que é entregar pouco.
Mas para ajudar um pouco o nosso ministro, vejamos neste pequeno texto qual é o tamanho do serviço público brasileiro em uma comparação internacional, a fim de sabermos se ele realmente é muito grande e custoso.
A ideia de que o Brasil tem um corpo inchado no funcionalismo público é muito difundido por alguns políticos, jornais e outras mídias que tentam deslegitimar os serviços públicos para substituí-los por amigos e clientes privados. Nosso deputado de Maringá é um belo exemplo disto. Quando assumiu o Ministério da Saúde após o impeachment da Dilma, correu para dizer que o “tamanho do SUS precisava ser revisto”. Agora talvez tenha ficado mais claro o porquê da preocupação do parlamentar.
Vejamos os dados. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) publica anualmente o estudo “Government at a Glance”. Em um dos pontos abordados, a entidade mostra o peso do funcionalismo público no total de empregos em cada país pertencente à organização. Não é o caso brasileiro, mas a OCDE publica mais um outro estudo anualmente, o “Panorama das Administrações Públicas: América Latina e Caribe”, que aí inclui o Brasil.
Juntando os dados dos países da OCDE com o dado brasileiro, podemos ver (no Gráfico 1), que o Brasil está longe de ser um país com grande quantidade de servidores públicos. Dentre os 33 países investigados, a média é de 17,91% de funcionários públicos em relação ao total de empregados no país. No Brasil, este número é de 12,5%. O nosso país só tem mais funcionários públicos do que Luxemburgo, Holanda, Alemanha, Suíça, Coreia do Sul e Japão. Curioso que ele fica 2,4 p. p. atrás dos EUA, a maior imagem de liberalismo que o senso comum costuma nos impor. Já em relação à média da OCDE, temos 5,4 p. p. a menos de funcionários públicos.
Gráfico 1 – Participação do emprego do setor público no emprego total em países da OCDE e o Brasil (2019)
Fonte: Government at a Glance 2021, OECD; Exceto para o caso brasileiro, o qual o dado é de 2018 e está no Panorama das Administrações Públicas: América Latina e Caribe 2020, OCDE.
Agora indo para a América Latina, é possível verificar que nesta região, onde há grande carência de serviços públicos, aí sim o Brasil se destaca como um país com maior peso do funcionalismo, mas com apenas 0,5 p. p. acima da média da região. O Brasil tem quase o mesmo percentual do Chile (que até há alguns anos era o modelo do ultraliberalismo na região) e bem menos do que o Uruguai e a Argentina (os dois países que têm os menores níveis de desigualdade social na região).
Gráfico 2 – Participação do emprego do setor público no emprego total na América Latina (2018)
Fonte: Panorama das Administrações Públicas: América Latina e Caribe 2020, OCDE.
Outra ideia disseminada nestes últimos anos é que o funcionalismo no Brasil tem crescido demais nesta década. No entanto, novamente utilizando-se dos dados da OCDE, a quantidade de funcionários públicos cresceu apenas 0,3% em termos médios anuais entre 2011 e 2018, um patamar inferior ao da OCDE (0,59%) e da América Latina (1,36%). 0,3% é inferior ao próprio crescimento vegetativo da população brasileira, que neste ano de 2021 deve crescer 0,74% segundo o IBGE.
O Chile se destaca neste quesito, pois apresentou uma taxa média de crescimento anual de 4,28%, o que mostra a crise do modelo ultraliberal instaurado pelo ditador Pinochet no país, que está indo abaixo com a reforma constitucional no país.
Gráfico 3 – Taxa de crescimento médio anual do emprego no setor público na América Latina, 2011–2018
Fonte: Panorama das Administrações Públicas: América Latina e Caribe 2020, OCDE.
Entrando agora especificamente no serviço público federal, podemos ver no Gráfico 4 que ele não cresceu acima do PIB nestas duas últimas décadas. Em 2001, as despesas executadas com pessoal e encargos sociais era de 5% do PIB, hoje ele é de 4,8%. Chegamos em 2014 a ter uma proporção de apenas 4,1% do PIB despendido nesta função. Mas com a crise econômica iniciada no final daquele ano, com crescimento negativo e depois uma estagnação de anos, esta proporção subiu, mas ficando sempre abaixo dos 5%.
É importante pontuar que o crescimento do serviço público nas últimas décadas se deu, na verdade, nos funcionalismos municipais e estaduais, devido à implementação de políticas previstas da Constituição de 1988 e realizadas em âmbito local.
Gráfico 4 – Evolução das despesas executadas com Pessoal e Encargos em relação ao PIB entre os anos de 2001 e 2020
Fonte: STN/ME – RREO; PIB: BACEN [Elaboração: ANFIP, em Reforma Administrativa: o que muda para os servidores públicos?]
Por fim, a carga tributária brasileira – que serve em grande parte para financiar os serviços públicos essenciais para a população – não é alta, ao menos na perspectiva comparada internacional. Ela é desigual, rico paga menos imposto do que pobre, mas isto fica para outro texto. O Brasil tem uma carga 1,9 p. p. menor do que a média da OCDE. Apenas 9 países da OCDE têm cargas tributárias menores do que o Brasil, enquanto outros 23 países têm carga superior.
Gráfico 5 – Carga tributária no Brasil e nos países da OCDE (2017)
Fonte: Receita Federal, em Carga Tributária no Brasil 2019, com base nos dados da OCDE Revenue Statistic 2019.
Importante pontuar que o Brasil é um país com alta oferta de serviços públicos, principalmente por conta do SUS, mas também com educação básica universalizada e com importantes universidades federais. Isto aponta na direção de que o Brasil não “faz pouca coisa” com o dinheiro que tem (e todos os outros problemas sociais). Isto sem contar que os servidores públicos fazem tudo isto mesmo com uma elite econômica e política cruel, que não enxerga no caso social problema algum, mas sim uma oportunidade de fazer negócio, seja com a vacina, seja com a OS do seu estado ou município.
Bem, voltando para a frase inicial do Paulo Guedes, os dados da OCDE parecem ir de encontro ao palavrório do senhor ministro. O Brasil tem um funcionalismo público menor do que a média de outros países. Vem crescendo menos do que seus pares. O Brasil não passou a despender mais do seu PIB para financiar o funcionalismo federal. E nem a carga tributária, para financiar tudo isto, é maior do o de outros países – e sim menor do que a média.
Ou seja, na verdade há espaço para avançar, para fazer o serviço público brasileiro crescer. A pandemia nos mostrou que serviços públicos são essenciais, não só para a democracia, mas para a sobrevivência de todos nós.
*Eric Gil Dantas, economista do Ibeps e doutor em Ciência Política