Quando o tema violência contra a mulher cai na redação da prova do ENEM, quando a importância de Simone de Beauvoir é ignorada pelos que acham que sair do seu quadrado é doutrinação, surgem comentários que nos causa repulsa, e como de costume pra quem costuma refletir e se afetar (no “sentido” de sentir), geram uma boa meditação.
Um exemplo desses comentários de nos causam falta de apreço é o do deputado estadual DELEGADO Fernando Franchischini (SD) em relação a uma questão do ENEM. Além de dizer no Facebook que é coisa do PT (e minha opinião aqui é de que isso reflete tanta ausência de conhecimento que ele é incapaz de incluir outros contextos/realidades – notem: ausência de conhecimento, não inocência), ele arrotou essa: “Não serve pra ensinar nada, ou melhor, serve novamente para fazer Doutrinação e estimular preconceito entre as Pessoas”.
O DELEGADO se refere à citação numa questão da prova que diz “Ninguém nasce mulher, torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam o feminino”. E claro, ele não sabe que a resposta da questão é a letra “c”. (Veja aqui)
Na França de 1949, Simone Beauvoir lança o ensaio filosófico “Segundo Sexo”. Uma análise consistente e profunda sobre o lugar/papel das mulheres na sociedade. Análise muito boa: uma gorda análise. Uma análise que já entendemos faz é tempo. Acertamos a questão do ENEM! No entanto, se hoje ela ainda causa tanto “deus-nos-acuda” (faço alusão à bancada religiosa fundamentalista e à da bala) é um sinal que estão nos atrasando. Percebem a “espécie” de direita que está esculachando o Brasil?
O pior: Tão grave quanto estarem assumindo um cargo público, Bolsonaros, Malafaias, Cunhas, Felicianos, Richas, Francischinis estão se reproduzindo, se procriando. São os representantes do retrocesso, do atraso, da boçalidade, da barbárie. Estão ensinando (eles chamam de doutrinação) os “seus” para pensarem e agirem como os deles. Não à toa são contra a legalização do aborto e “não sabem” nada, nada, nada, nada sobre o acúmulo de debate que temos sobre o aborto.
Vide o PL 5069/2013, de autoria do suspeito de corrupção e lavagem de dinheiro, Eduardo CUNHA (PMDB). É um anacronismo que ataca diretamente a nossa liberdade sexual no que tem de mais pervertido: nos retira a decisão sobre um dos tipos de violência mais brutal contra nossas almas e nossos corpos; nos arrancam o direito de decidir sobre o estupro, ou seja, a violação, o atentado, o arrombamento, a devastação, a destruição, a ruína que cai sobre nossas cabeças, corações e vaginas.
Com PL 5069 em caso de estupro nós perderemos o direito de usar a pílula do dia seguinte, teremos que fazer obrigatoriamente o exame de corpo delito e vamos perder também o direito de receber informações sobre nossos direitos quando formos atendidas.
[Isso sem falar no caso Valentina, do MasterChef Jr., que levantou a discussão sobre a violência que é a pedofilia, isso sem falar no caso da adolescente que foi estuprada pelo próprio pai e a por “eficácia” da lei foi obrigada a registrar o nome do pai na certidão, que no caso, escandalosamente também é avô da criança. ]
Esses boçais estão dizendo: “temos direito de estuprar as fêmeas, são nossa propriedade”. Quantos sinônimos e exemplos mais teremos que usar para sermos entendidas?
E falar nisso, em atraso de vida, neste momento poderíamos estar avançando no feminismo e mulheres negras, o feminismo na América Latina e Caribe, feminismo no Brasil, feminismo indígena, etc, etc. Podíamos estar avançando por feminismos que entendem a contribuição de Cristina de Pisano (Itália), Wolstonecraft (Inglaterra), Beauvoir (França) e de Kollontai (Rússia), por exemplo, mas que precisa atender demandas específicas do nosso tempo e espaço e desconstruir o olhar eurocêntrico sobre a causa feminista.
Por feminismos, por exemplo, que abracem a contribuição das mulheres trabalhadoras que não estão escrevendo nem lendo sobre feminismo na academia (lugar que lhe é negado), mas que resistem contra o machismo todos os dias, que não deixam o machismo passar sem denunciar a sua perversidade.
Enfim um pouco do debate acumulado sobre a luta das mulheres foi parar na prova do ENEM. Machistas, mais uma vez, não passarão…
Dica, ouça a música Muita força, moça, da Bárbara Sweet AQUI.
Nota “curiosa”:
SD, número 77, significa Partido da Solidariedade e tem lá seus seguidores: 106 mil filiados e o presidente deste partido é o Paulinho da Força. No Mato Grosso do Sul, do agronegócio, o partido teve recentemente uma ascensão de filiações de 259%.
Por Adriana Possan
Assessoria de Comunicação do Sinditest