LAMA DA SAMARCO: Quando a escolha é pela tragédia

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Desastre anunciado: execução estatal e empresarial já tinha deixado marcas de estrago muito antes do estouro da lama em Mariana

Por Weslei Trevizan Amancio – UTPFR Londrina

O mundo acompanhou atônito a tragédia provocada pela empresa Samarco que, por descompensada acumulação de rejeitos oriundos do emprego de uma exploração desenfreada de minerais, promoveu o rompimento de uma de suas barragens (barragem do “Fundão”).  A lama percorreu uma extensão de 650 km, de Mariana, em Minas Gerais, até litoral norte do Espírito Santo, destruindo tudo o que estava em sua frente.

A real dimensão dos prejuízos e danos ambiental, econômico, cultural e social por onde passou a lama de rejeitos tóxicos só poderá ser conhecida com o tempo. Todavia já é possível saber que as perdas atingem proporções devastadoras: 11 pessoas mortas e outras 8 desaparecidas; um rio inteiro é dado como morto – o Rio Doce; e a vida marinha, onde o Rio Doce tem a sua foz, corre sérios riscos de extinção.

A Samarco é uma empresa fruto da sociedade entre a Vale e a anglo-australiana BHP Billiton, são elas as responsáveis pela exploração de minério de ferro nas barragens de Fundão e Santarém, no município de Mariana. O mais intrigante dessa história, que seria cômica se não fosse trágica, é que a Vale tem em sua razão social o nome do rio que a sua investida matou: Companhia Vale do Rio Doce.

A Vale assim como a Petrobras é fruto de uma proposta de um governo nacional-desenvolvimentista, o qual primou pelo desenvolvimento do país mediante a criação de empresas públicas, sobretudo, para atuar em áreas estratégicas de fortalecimento da economia.

Apesar de portadora de vários “vícios de processo”, que existem desde o Brasil-colônia, como a ocupação dos cargos por tecnocratas, em regra, pertencentes a uma elite econômica e política, a centralização das decisões nos altos cargos. Ainda quando pertencentes ao Estado essas empresas não deixam de ser um patrimônio público. Neste sentido, devem-se sujeitar a atender os interesses da população, direcionando parte significativa de suas receitas em investimentos sociais, especialmente os previstos no artigo 6° da Constituição Federal de 1988.

A garantia da destinação dessas receitas para as finalidades sociais apresentadas, em se tratando de uma empresa pública, é proporcionado pelo o controle social, legitimamente atribuído aos cidadãos.

Entretanto, essa forma social de produzir conflita com o interesse do capital, em que pese, o grande capital transnacional, de produção do lucro. Assim, organismos guardiães do capital privado, tais como o Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento, apressaram-se em intervir nos países praticantes do nacional-desenvolvimentismo, particularmente os localizados na América Latina, apregoando que a receita para uma real eficiência, garantidora de rendimentos e desenvolvimento da economia perpassa pelo emprego de matizes neoliberal, na reforma do Estado e da gestão da “coisa” pública.

Decorrência desse ideal, estrutura-se no Brasil no período de redemocratização a aliança social-liberal, que tem como projeto de país a proposta de desenvolvimento dependente e associado. Na prática significa fazer com que o país desenvolva no plano econômico mediante a abertura do mercado, privatização das empresas públicas e atração de investimentos externos. O grupo representativo dessa aliança chegou ao poder central com a eleição de Fernando Henrique Cardoso como presidente, pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).

Para tanto, medidas de adequação da “máquina” pública precisavam ser adotadas com a finalidade de atender a nova dinâmica do mercado e da economia promovidas. Importante destacar que essas medidas iniciadas no governo da aliança social-liberal continuaram a ser promovidas pelos representantes do governo da aliança popular-nacional, representada pelos governos de Lula e Dilma, do Partido dos Trabalhadores (PT), ao revés das expectativas depositadas na e pela base articuladora de suas campanhas.

No plano da gestão administrativa realizou-se uma exponencial mudança de paradigmas, onde passou a viger o ideal gerencialista, conhecido como “nova administração pública”, o qual empregou as seguintes características: descentralização do aparelho de Estado, que separou as atividades de planejamento e execução do governo e transformou as políticas públicas em monopólios dos ministérios; privatização das empresas estatais, principalmente as que atuam em ramos que possibilitem altos rendimentos; terceirização dos serviços públicos; regulação estatal das atividades públicas conduzidas pelo setor privado; uso de ideias e ferramentas gerenciais advindas do setor privado.

Consolidava-se nesse momento, dentre várias, a escolha pela privatização da Vale – uma das maiores mineradoras do mundo, vendida a preços tão abaixo do estipulado no mercado que até hoje não é explicado.

As consequências disso? Estão para ser vistas em uma grande extensão de lama, que hoje atinge Minas Gerais, Espirito Santo e o Oceano Atlântico. A Vale passou de financiadora do progresso social quando pública para financiadora da maior tragédia ambiental, econômica, cultural e social que já tivemos registro no Brasil. E continuará a financiar muitas outras enquanto tiver como combustível das suas ações a busca insana pelo lucro.

Há solução? Sim, em grande parte ela passa necessariamente pela sua reestatização, com o consequente emprego de uma gestão participativa, democrática, societal!

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