O Ministério da Educação (MEC) lançou na última quarta-feira (17/09) o programa “Future-se”, que prevê a reestruturação do financiamento e da administração das universidades e institutos federais.
Por trás do discurso de “inovação” defendido pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, está a intenção de ceder completamente a educação superior pública aos interesses do capital privado.
Na prática, o projeto promove o desmonte do ensino superior gratuito, permitindo a interferência de empresas privadas no orçamento universitário. A medida foi recebida com desconfiança pela comunidade acadêmica, que já sofre os efeitos nocivos dos cortes de verbas.
Baseado na lógica de gestão empresarial e fundamentado sobre as diretrizes do mercado financeiro, o Future-se representa uma ameaça real à autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial das universidades, prevista no artigo 207 da Constituição Federal. Isso porque o programa permite que o patrimônio das instituições passe para as mãos de grandes empresários por meio de contratos de gestão compartilhada, PPPs, comodato ou cessão dos prédios e lotes.
O modelo apresentado pelo MEC aponta que entidades privadas ficarão responsáveis por definir as diretrizes do ensino, da pesquisa científica, do desenvolvimento tecnológico e da gestão de pessoas nas universidades e institutos. Em outras palavras, a educação superior pública e todo seu conhecimento será praticamente doada às empresas.
O ministro Weintraub anunciou que o programa não vai exigir chamamento público para a celebração desses contratos, bastando que as Organizações Sociais (OS) sejam consideradas “aptas” para assumir a administração das instituições. A tendência, portanto, é que o MEC direcione de maneira arbitrária esses acordos, ignorando as demandas internas das IFES e o interesse público.
As universidades começariam a deixar de cumprir com seu papel social e passariam a atender aos interesses do mercado.
Para se ter uma ideia, até o espaço físico das universidades poderá ser disponibilizado para as empresas para fins de divulgação e propaganda. Um campus, por exemplo, poderia levar o nome de uma empresa multinacional.
Os retrocessos do programa podem ser facilmente listados. Em primeiro lugar, a produção científica passará a atender aos interesses das grandes empresas, e não às demandas da sociedade.
O financiamento de pesquisas por empresas submete o interesse público às ambições privadas. Estão na berlinda o desenvolvimento de medicamentos não rentáveis à indústria farmacêutica, as pesquisas que fomentam o desenvolvimento da agricultura familiar e toda a ciência produzida sem o intuito de gerar lucro.
Professores, pesquisadores e estudantes ficarão reféns de prioridades mercadológicas, que quase sempre são exploratórias e só visam ao lucro.
Um dos pontos mais preocupantes, contudo, refere-se à gestão de pessoas. O Future-se prevê que as Organizações Sociais poderão se apropriar integralmente do trabalho dos servidores técnico-administrativos e dos docentes.
Transferir a dinâmica do mercado para as instituições de ensino é, sobretudo, um tiro no pé da ciência e da educação públicas. As universidades que aderirem ao programa terão que cumpri-lo integralmente e serão avaliadas sob a régua capitalista de desempenho, que não se aplica à dinâmica do serviço público.
Os servidores efetivos poderão ser cedidos para as OS
Os trabalhadores teriam que seguir uma espécie de “código de ética” criado pela própria empresa.
É isso mesmo. Alguém duvida que os ambientes de trabalho seriam marcados pelo assédio moral em níveis inimagináveis?
Além de diluir o próprio conceito de funcionário público – que, hoje, tem o direito à estabilidade e à liberdade de associação política –, essa diretriz funciona como o pontapé do controle e da perseguição ideológica dentro das universidades.
Em outras palavras, o servidor que não respeitar as normas da empresa poderá ser descartado sem muita dificuldade.
Essa junção entre neoliberalismo e autoritarismo custará muito para os trabalhadores e para a democracia brasileira.
Apesar de vender o Future-se como apenas uma “opção”, já que cada universidade poderá decidir se adere ou não ao programa, o ministro Weintraub já publicou em seu perfil do Twitter que esse processo de adesão permitirá “separar o joio do trigo”, ou seja, o que ele considera a parte boa da parte ruim.
Isso soa como uma ameaça às instituições que não aderirem.
Não há dúvidas, portanto, que as instituições que se negarem a entrar nesse esquema serão sufocadas, penalizadas e, ao que tudo indica, deixarão de existir aos olhos do governo.
É provável que fiquem à míngua até que assinem o contrato. Em termos claros: chantagem.
Por fim, mas não menos preocupante, o programa determina a criação de Fundo do MEC para bancar processos de comercialização dos produtos intelectuais brasileiros. É a mercantilização da educação elevada a um nível inédito.
O MEC já declarou que deverá vender imóveis da União para arrecadar cerca de R$ 50 bilhões para esse fundo. Novamente, o patrimônio público dos brasileiros está sendo descartado em nome dos interesses do mercado.
Não existe meio termo: ou as comunidades acadêmicas se mobilizam agora, ou o caráter público da universidade chegará ao fim.
Sindicatos, federações, entidades ligadas à educação e movimentos sociais estão se articulando para formular estratégias de resistência ao Future-se.
Futuro repete o passado
Importante frisar que, embora com uma nova roupagem, a tentativa de privatizar as universidades públicas não é recente. Em 1965 o ensino pago foi idealizado pelo ex-reitor da UFPR Flávio Suplicy de Lacerda. Ministro da
Educação no governo Castelo Branco, estabeleceu, durante sua gestão no MEC, um acordo de cooperação com a United States Agency for International Development (USAID), conhecido como acordo MEC-Usaid.
A dobradinha com os estadunidenses tinha por intuito tecnocratizar o ensino e instaurar a cobrança de mensalidades nas instituições, o que contribuiu para uma intensa campanha de oposição estudantil, que culminou com a derrota da tentativa de implantar a cobrança de mensalidade no ensino superior do país.
Por este feito, Flávio Suplicy de Lacerda, Reitor que entrou para a história como agente apoiador da ditadura, foi, em dois momentos, “homenageado” pelos estudantes. A primeira delas em 1968, em pleno regime militar e a segunda em 2014, 50 anos após o golpe. Em ambas as ocasiões, o movimento estudantil, em protesto, retirou da Reitoria o busto de Lacerda, arrastando até a rua XV de novembro um dos símbolos mais expressivos da ditadura no país. Contraditoriamente, Lacerda era reitor da UFPR quando esta deixou de ser uma instituição privada e passou a ser a “Federal”, nos anos 1950.
Fonte: Sinditest-PR