*Por Cacau Pereira
Os empregados públicos – das empresas públicas e sociedades de economia mista – também são alvo de uma mini Reforma Trabalhista, embutida na PEC 32 da Reforma Administrativa. A PEC prevê a perda e extinção de direitos, a redução de jornada com redução de salários, impõe aposentadoria compulsória por idade, limita as negociações coletivas e proíbe a estabilidade no emprego para esse segmento de trabalhadores.
Embora submetidos a outros regimes de contratação que não o dos servidores públicos estatutários, se a reforma for aprovada nos termos apresentados, vários direitos desses trabalhadores serão suprimidos. São os mesmos direitos que se pretende retirar dos futuros servidores e incluem, nessa relação de perdas, os adicionais de tempo de serviço, licença-prêmio, licença-assiduidade, adicional ou indenização por substituição, progressão ou promoção baseada exclusivamente em tempo de serviço, férias de mais de trinta dias, dentre outros.
A PEC estabelece que a redução de jornada de trabalho deverá ser acompanhada, concomitantemente, da redução da remuneração do empregado. E ainda busca suprir uma lacuna do texto constitucional, pois possibilita a contratação emergencial, por meio de um processo seletivo simplificado, para a substituição de grevistas nos setores considerados essenciais. Desta forma, a PEC convalida o entendimento que o STF já teve em outros julgamentos, só que, agora, incorpora essa previsão ao texto constitucional.
A legislação que disciplina o exercício da greve define como serviços essenciais aqueles relacionados ao tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; assistência médica e hospitalar; a distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; serviços funerários; o transporte coletivo; a captação e tratamento de esgoto e lixo; serviços de telecomunicações; ao manuseio de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares; ao processamento de dados ligados a serviços essenciais; controle de tráfego e navegação aérea; compensação bancária; as atividades médico-periciais públicas ou relacionadas a pessoas com deficiência e, ainda, as atividades portuárias.
Como vemos é um rol bastante amplo e boa parte dessas atividades são executadas por empresas públicas ou sociedades de economia mista.
Outra medida prevista na reforma é a exigência da aposentadoria compulsória aos 75 anos de idade para os trabalhadores das estatais, com a consequente extinção do vínculo.
Jogando por terra o discurso de que o legislado não pode se sobrepor à negociação, a PEC proíbe que negociação coletiva ou individual ou mesmo ato normativo possa estabelecer estabilidade no emprego ou regras de proteção contra a despedida arbitrária para os empregados de empresas públicas, sociedades de economia mista e das subsidiárias dessas empresas e sociedades.
Ato normativo é tudo que faz lei entre as partes, é a lei em sentido amplo. Pode abarcar um decreto, portaria, uma constituição estadual, a lei orgânica de um município ou mesmo uma convenção ou acordo coletivo de trabalho. Mesmo uma sentença normativa de um dissídio coletivo, emanada pelo Poder Judiciário, se enquadra na proibição que a PEC pretende estabelecer.
Os trabalhadores das estatais não têm estabilidade no emprego, mas conquistaram, ao longo do tempo, regras que estabelecem, em alguns casos, a necessidade de um processo administrativo disciplinar que configure falta grave do empregado para que ele seja dispensado. A PEC procura mudar justamente isso, impedindo as regras que dificultam a dispensa do empregado, quando exigem motivação para esse ato do empregador, no caso, as empresas públicas e as sociedades de economia mista.
A PEC representa, portanto, uma clara intervenção na dinâmica sindical e na autonomia das entidades representativas dos trabalhadores, nas negociações individuais e coletivas.
Quando interessa ao governo, o mantra de que a negociação pode tudo cai por terra. E entra a mão forte do Estado esmagando direitos trabalhistas, a liberdade e autonomia sindicais.
Como ficam os atuais trabalhadores? Eles terão direito adquirido aos benefícios e às vantagens atuais?
Como em outros diplomas legais, o texto é confuso e a linguagem não é simplificada. Mas é cristalina a definição de que os atuais empregados poderão perder os direitos atuais, mesmo que estejam consignados em convenção ou acordo coletivo de trabalho.
O texto da PEC diz que os direitos serão preservados se houver lei específica vigente em 1º de setembro de 2020 que tenha concedido os benefícios ali referidos. Trata-se de uma manobra jurídica para não admitir a extinção desses mesmos direitos, pois poucos serão os casos que se ajustarão a essa norma.
Mas a continuidade da leitura do mesmo artigo explicita que esses direitos poderão ser extintos, se houver alteração ou revogação da referida lei. Ou seja, a PEC não contempla a hipótese de direito adquirido e a incorporação desses benefícios ao patrimônio do trabalhador.
O que a PEC 32 pretende é estender a todos os trabalhadores das estatais o que foi feito recentemente no julgamento do dissídio coletivo dos trabalhadores dos Correios. Mesmo considerando a greve não abusiva, o Tribunal Superior do Trabalho determinou um reajuste abaixo da inflação para os trabalhadores, cortou os salários na metade dos dias de greve e, ainda, extinguiu 50 das 79 cláusulas do Acordo Coletivo de Trabalho. Foram mantidas apenas as cláusulas que já são garantidas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Os esclarecimentos apresentados neste breve artigo servem, primeiro, como um alerta aos sindicatos que representam os trabalhadores das estatais, para que tomem ciência dos riscos embutidos na reforma administrativa e divulguem isso junto aos seus associados. A reforma atinge diretamente esse segmento de trabalhadores e pouco tem-se visto de denúncia quanto a esse fato.
Em segundo lugar, a brutalidade dos ataques e a desconstrução de garantias mínimas de proteção aos direitos e ao emprego são elementos que reforçam a necessidade de uma ampla unidade na luta, abarcando todos os servidores públicos, os empregados das estatais e a população, para barrar o desmonte embutido na PEC 32.
**Cacau Pereira é advogado com especialização em Direito Público, Mestre em Educação e pesquisador do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (Ibeps).