Como duas privatizações aumentaram ainda mais o preço dos combustíveis no Brasil

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Por Eric Gil Dantas, economista do Ibeps/ Reprodução: O Estado de São Paulo

De 2015 para cá a Petrobras vendeu um volume enorme de ativos. Segundo o Observatório Social do Petróleo, a soma de privatizações chegou ao valor de R$ 280 bilhões no ano passado. Foram vendas como a da BR Distribuidora, NTS e TAG (empresas de gasodutos), Liquigás, Gaspetro, polos e campos de petróleo e gás, etc.. Mas aqui focaremos na avaliação da privatização de dois ativos especificamente: RLAM e REMAN, as duas refinarias privatizadas em 2021 e 2022. Não entraremos na discussão geral de privatizações e no motivo das vendas das refinarias, que passa por questões no CADE e por pretensões de desconcentrar o mercado[1].

Para esta análise utilizaremos estritamente o preço dos combustíveis antes e depois das privatizações no caso da refinaria da Bahia e do Amazonas. Os dados tabulados foram os de Preços às Distribuidoras de Gasolina A, Diesel S-10 e GLP da Petrobras, Acelen e REAM. Com isto desejamos dar subsídios ao debate sobre privatização e reestatização de refinarias no país.

O que aconteceu com os preços na Bahia?

A Refinaria Landulpho Alves (RLAM) foi a primeira refinaria nacional de petróleo, criada em 1950, em um contexto de descoberta de petróleo comercial na Bahia. Localizada no Recôncavo Baiano, é a segunda maior refinaria do país, atrás apenas da Refinaria de Paulínia (SP), com 15,6% do total da capacidade de refino do país. Coincidentemente também foi a primeira refinaria a ser privatizada.

Comprada em 2021 pelo fundo Mubadala Capital, subsidiária de gestão de ativos da Mubadala Investment Company, dos Emirados Árabes, teve como início a nova gestão privada em dezembro de 2021, a partir da empresa Acelen. Com isto a RLAM foi rebatizada de Refinaria Mataripe.

Como pode ser observado no Gráfico 1, se considerarmos o período que vai de um ano antes da privatização da RLAM até o fim da operação estatal, a RLAM vendia gasolina sempre um pouco abaixo do restante das refinarias da Petrobras, mais especificamente 0,9% mais barato se considerarmos a média de todo o período.

Gráfico 1 – Preços da Gasolina A às distribuidoras da RLAM e de todas as outras refinarias da Petrobras à exceção da RLAM (01/12/2020 a 08/10/2021)

Fonte: Petrobras

Após a privatização, Mataripe passou a cobrar em 74% dos dias um preço acima do praticado pela Petobras. Em média a gasolina da refinaria privatizada ficou 5,6% mais cara do que o da estatal no mesmo período.

Gráfico 2 – Preços da Gasolina A às distribuidoras da Petrobras e da Acelen (01/12/2020 a 08/10/2021)

Fonte: Acelen; Petrobras.  

No caso do preço do diesel S-10 a diferença é um pouco maior. A RLAM vendeu, em média, o diesel 2,5% mais barato do que o restante da Petrobras no ano que antecedeu a sua privatização.

Gráfico 3 – Preços do Diesel S-10 às distribuidoras da RLAM e de todas as outras refinarias da Petrobras à exceção da RLAM (01/12/2020 a 08/10/2021)

Fonte: Petrobras

Após a privatização, Mataripe passou a cobrar na maior parte do tempo preços acima da Petrobras. Mais especificamente 57% dos dias desde o início da série histórica. O preço do diesel ficou em média 1,94% mais caro do que a Petrobras.

Gráfico 4 – Preços do Diesel S-10 às distribuidoras da Petrobras e da Acelen (01/12/2020 a 08/10/2021)

Fonte: Acelen; Petrobras.

Por fim, no GLP o preço praticado pela RLAM era praticamente igual ao do restante das refinarias. Porém, após a privatização a Refinaria Mataripe passou a cobrar, em média, 7,2% a mais pelo GLP se comparado à Petrobras.

Gráfico 5 – Preços do GLP 13kg às distribuidoras da Petrobras e da Acelen (01/12/2020 a 08/10/2021)

Fonte: Acelen; Petrobras.

O que aconteceu com os preços no Amazonas?

Criada em 1956, a Refinaria Isaac Sabbá (REMAN) detém 2,6% da capacidade de refino do país, e é responsável por grande parte do abastecimento dos estados do Norte. Em 2022 foi vendida para o grupo ATEM, empresa de distribuição de combustíveis sediada em Manaus. Com isto foi rebatizada de Refinaria de Manaus (REAM), operando de forma privada desde 1º de dezembro de 2022.

Na gasolina a REMAN cobrava preços 2% abaixo das outras refinarias da Petrobras, no ano anterior à sua privatização. Após a privatização a REAM vendeu gasolina em média 2,8% mais cara do que a Petrobras.

Gráfico 6 – Preços da Gasolina A às distribuidoras da Petrobras e da REAM (01/12/2021 a 24/02/2023)

Fonte: REAM; Petrobras.

No Diesel S-10, até a privatização a REMAN vendia este combustível com um preço 1,3% inferior ao do restante das refinarias da Petrobras. Desde que entrou em operação privada, a REAM passou a vender diesel 4,4% mais caro do que a Petrobras.

Gráfico 7 – Preços do Diesel S-10 às distribuidoras da Petrobras e da REAM (01/12/2021 a 24/02/2023)

Fonte: REAM; Petrobras.

Por fim, no caso do GLP a REMAN vendeu no último ano antes da privatização o GLP pelo mesmo preço que o restante das refinarias da Petrobras. Já a partir da privatização a REAM passou a vender o GLP muito mais caro do que a estatal. Em média o GLP passou a ser vendido 31,4% mais caro do que a Petrobras.

Gráfico 8 – Preços do GLP 13kg às distribuidoras da Petrobras e da REAM (01/12/2021 a 24/02/2023)

Fonte: REAM; Petrobras.

O efeito no caso do GLP da REAM foi o mais gritante de todos. A região Norte, que tinha o GLP mais barato do país, passou a ter o mais caro.

O que os dados nos mostram?

Como muitos analistas já avisavam lá trás, a privatização de refinarias da Petrobras é ruim para a economia do país, pois eleva os preços dos combustíveis. Isto ocorre basicamente por dois motivos. Primeiro, a Petrobras, como uma empresa estatal e integrada, consegue e deseja cobrar preços mais baixos do que suas concorrentes. A diferença entre o custo de extrair petróleo e o de refiná-lo e o preço final do combustível cobrado pela Petrobras é imenso, e muito superior a qualquer outra petrolífera/refinadora que atua/atuará no país. Além disto, a Petrobras deseja cobrar preços menores, pois é uma empresa estatal, sob a qual pesa a opinião pública e a pressão do governo federal (seu acionista majoritário). Segundo, a privatização destas refinarias criou monopólios privados no Norte e na Bahia. Se o desejo de uma empresa privada é maximizar o máximo possível seus ganhos, obviamente que se aproveitará de uma situação de monopólio para fazê-lo. A única concorrência que atinge essas regiões é com produtos importados, que estão muito caros desde o início de 2021.

Sendo assim, o efeito esperado era realmente que houvesse o aumento de preços dos combustíveis nas regiões onde as refinarias foram vendidas. Os dois casos relatados são de refinarias que tinham preços menores do que a média das outras refinarias da Petrobras, mas passaram a vender combustíveis muito mais caro do que a estatal. Ainda há o agravante do GLP no norte do país, que deverá causar ainda mais miséria na região – tendo em vista que o gás de cozinha tem uma alta elasticidade-preço, isto é, quando aumenta o seu preço, diminui o seu consumo, com as pessoas correndo para a lenha e o carvão[2].

Sendo assim, é importante que o governo que se inicia olhe para estes dados, para os efeitos concretos do que ocorre com a privatização de refinarias no país. E a partir da realidade, e não de promessas ilógicas e vazias, decida: iremos continuar a privatizar refinarias para agravar ainda mais um dos maiores problemas do país? E não seria o caso de recomprar/reestatizar as refinarias já privatizadas, amenizando o empobrecimento e a dor de brasileiros que cada vez mais são impedidos de cozinhar em suas casas, de abastecer os seus carros para trabalhar?

 

Notas

[1] Já discuti isto em outros textos, como “Presente trágico e futuro comprometido: o desmonte da Petrobras” (https://www.estadao.com.br/politica/gestao-politica-e-sociedade/presente-tragico-e-futuro-comprometido-o-desmonte-da-petrobras/), “Petrobras do poço ao posto: um projeto ameaçado” (https://www.estadao.com.br/politica/gestao-politica-e-sociedade/petrobras-do-poco-ao-posto-um-projeto-ameacado/) e “A privatização fatiada da Petrobras: contabilizando a venda da maior empresa do país” (https://www.comciencia.br/a-privatizacao-fatiada-da-petrobras-contabilizando-a-venda-da-maior-empresa-do-pais/#:~:text=artigo%2C%20_dossiê%20238-,A%20privatização%20fatiada%20da%20Petrobrás%3A%20contabilizando%20a,da%20maior%20empresa%20do%20país&text=Desde%202015%20vivemos%20um%20novo,alvo%20de%20propostas%20de%20privatização).

[2]Ver: http://broadcast.com.br/cadernos/financeiro/?id=bUFWcXdUVEp6UU9Za09hanpiSExrZz09

 

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