Cinco opções para retomar o financiamento das universidades públicas

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*Por Eric Gil Dantas

Desde 2017 o orçamento das universidades federais está estagnado, variando em torno de R$ 51 bilhões anuais. Mas como todos nós sempre lembramos ao irmos fazer compras, a inflação está muito alta nestes últimos tempos. Do início de 2017 até agora a inflação já acumula alta de 34%, ou seja, se considerarmos o real poder de compra deste orçamento, ele foi cortado em um terço. Por isso, as universidades estão fazendo verdadeiros malabarismos para poder fechar as contas sem gerar um grande caos.

Infelizmente em momentos de crise fiscal, cria-se terreno muito fértil para todo tipo de oportunismo com saídas “milagrosas”, como é o caso da PEC 206/2019, que têm objetivos muito menos nobres do que parece. Nela, o General Peternelli (PSL/União Brasil-SP) propõe a mudança na Constituição de 1988 para que seja possível cobrar mensalidades dos estudantes de universidades públicas, hoje proibido. Segundo o projeto, havendo a gratuidade para aqueles que não possam pagar, “mediante comissão de avaliação da própria instituição e respeitados os valores mínimo e máximo definidos pelo órgão ministerial do Poder Executivo”.

Importante lembrar que esta PEC, ressuscitada do ano de 2019, apareceu na mesma semana da publicação “Projeto de Nação – O Brasil em 2035” dos institutos General Villas Bôas, Sagres e Federalista. O projeto foi coordenado pelo general Luiz Eduardo Rocha Paiva, que presidiu a ONG Ternuma (Terrorismo Nunca Mais), criada pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o ex-chefe do DOI-CODI, e uma das piores figuras da repressão política durante a ditadura militar brasileira. Além de falar do “globalismo” e de outros temas “exóticos”, prevê que já no ano de 2025 cidadãos com renda familiar acima dos 3 salários-mínimos (uma família que se toda a renda somada ultrapasse os R$ 3.636,00) paguem para utilizar o SUS e as universidades públicas. Claro que no “projeto” não reclamam dos hospitais militares, escolas militares, instituições de ensino superior militar e totalmente gratuitos para eles e seus familiares.

Mas voltando ao projeto, podemos ver a sua qualidade apenas lendo a Justificação. De fato, não podemos esperar do general e de sua assessoria nenhum grande conhecimento de uma área que nunca fez parte de sua realidade, mas convido que o leitor passe os olhos nos 2.700 caracteres de frases curtas e de referências apressadas (provavelmente das primeiras notícias que apareceram ao digitar “cobrar mensalidade de universidade pública” em site de busca) que têm por finalidade convencer os parlamentares da importância de mudar o sistema de cobranças em nossas universidades. Nela o general indica muito rapidamente seis pontos: (i) o Banco Mundial sugeriu que o Brasil deveria cobrar mensalidades; (ii) o gasto público nessas universidade é desigual e favorece ricos; (iii) a cobrança gera benefícios para a própria universidade, com mais dinheiro para custeio; (iv) os “docentes” (acredito que quisesse dizer “discentes”) que não puderem pagar terão gratuidade; (v) a gratuidade faz com que estudantes ricos ocupem mais lugares nas universidades; e (vi) a OCDE divulgou em estudo que de 29 países analisados, 20 cobram mensalidades. Por fim ainda indica que a mensalidade seria algo em torno de 50% do valor de mercado.

À exceção dos pontos (i) e (vi), que o Banco Mundial mandou (se depender do BM cobraremos por quase todos os nossos serviços públicos) e que uma parte dos países ricos cobram (no caso citado, parte dos países da OCDE), podemos até achar que a justificativa faz sentido. Não queremos que o gasto público acentue desigualdades, e sim que as enfrente.

Mas o deputado general ignora exatamente a política que está de forma muito eficiente combatendo tal desigualdade, a de cotas raciais e sociais. O efeito desta política é muito superior ao de que a cobrança de mensalidades. Afinal de contas aumentou enormemente a entrada de alunos de escola pública e de negros e pardos (grupo com menor renda no país). Segundo dados do artigo “Affirmative Action in Centralized College Admission Systems: Evidence from Brazil” (2021), a política de cotas aumentou em 73% a quantidade de pretos e pardos nas melhores universidades federais brasileiras e fez com que os alunos beneficiados tivessem um incremento de renda superior ao dos não-cotistas.

Para além da eficiência da política pública, se ele também está preocupado com o financiamento das universidades, eis aqui cinco sugestões para arranjar dinheiro a fim de retomar os investimentos em Educação Superior e Ciência e Tecnologia.

O primeiro é cobrar imposto sobre exportação de petróleo. Com o preço do barril acima dos 100 dólares desde fevereiro, um dos piores patamares do câmbio da história do Real e recordes de produção advindos do Pré-sal, as petrolíferas que atuam no país vêm ganhando dinheiro com a exportação de petróleo como nunca. Países como a Inglaterra e a Hungria já aumentaram a tributação sobre as petrolíferas em seus países para conter problemas fiscais. No Brasil precisamos cobrar impostos sobre a exportação do nosso petróleo. Em 2021, as petrolíferas exportaram R$ 173 bilhões em petróleo cru. Neste ano, com o barril mais caro, pode chegar a algo em torno de R$ 218 bilhões. Se taxarmos 20% disso, teremos R$ 43,6 bilhões a mais nos cofres públicos, e mesmo assim manteríamos um lucro imenso das petrolíferas no país. Lembrando que o gasto total das universidades federais está em R$ 53 bilhões.

Alternativas dois, três e quatro têm a ver com reformas tributárias. Uma primeira possibilidade é a cobrança de dividendos de empresários no IRPF, sem a diminuição do que se cobra de imposto sobre lucros na empresa. Um estudo da Consultoria Legislativa da Câmara de 2015 estima que a cobrança de dividendos no Imposto de Renda geraria uma receita extra entre R$ 30 bilhões e R$ 63 bilhões ao ano, o que se deflacionarmos para valores de hoje daria algo em torno de R$ 47 e R$ 100 bilhões. Outras duas alternativas são os impostos sobre riqueza: a cobrança de imposto sobre grandes heranças, que no Brasil é muito aquém mesmo ao de países como os EUA; a segunda é um imposto sobre grandes fortunas, que é garantido pela Constituição de 1988, mas que não é aplicado.

Uma quinta alternativa é a diminuição de juros, algo mais conjuntural. Para “combater a inflação”, o banco central brasileiro aumentou do início de 2021 até agora 10,75 p.p. a taxa SELIC. Mas o “aumento” da taxa de juros acarreta obviamente em aumento dos gastos do governo com juros. Só em 2021, esse aumento fez com que o governo federal gastasse mais R$ 136 bilhões com dívida pública – muito superior, por exemplo, do que o orçamento do Auxílio Brasil. Além de o aumento dos juros não combater a inflação (já que a inflação nada tem a ver com a demanda, pressuposto que justificaria o aumento dos juros para combater a inflação), ela corrói os gastos públicos, diminuindo o espaço para gastos sociais como o das universidades.

Em síntese, há várias alternativas para que o Estado arrecade mais ou economize, mandando dinheiro para as áreas que realmente precisam. Todas elas, com certeza, mais eficazes e justas do que a cobrança de mensalidades. Basta o general refletir um pouco e ouvir as entidades que realmente representam a educação no Brasil.

*Eric Gil Dantas é economista do IBEPS.

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