Eric Gil Dantas, economista do Ibeps
Nas últimas semanas o debate público girou em torno das decisões do Banco Central para a taxa de juros e a sua autonomia legal. Este tema ganhou evidência com as críticas do presidente Lula contra a decisão de manutenção da SELIC em 13,75% e as mensagens do BC contrárias à política fiscal do governo. Lula vem dizendo que a autonomia do Banco Central é besteira e que a taxa de juros está atrapalhando a economia do país.
O debate sobre juros e banco central pode parecer algo muito longe da vida dos TAEs. É o que querem que pareça à população, algo abstrato, que deve ser reservado aos banqueiros e sua tropa de analistas. Mas não é. O efeito é direto, tanto como brasileiro quanto como servidor público federal. Neste texto vamos explicar o porquê.
Maior taxa de juros do mundo
O Brasil tem hoje a maior taxa real de juros do mundo. A taxa real de juros é quando descontamos a inflação do período. Por exemplo, se a taxa de juros é de 15% e a inflação do período é de 5%, a taxa de juros nominal será de 15%, mas a taxa real de juros será de 10%. Como podemos ver na Tabela 1, o Brasil hoje é de longe o país com a maior taxa real de juros, muito a frente do segundo e terceiro colocados, México (5,53%) e Chile (4,71%), e 9,45 pontos percentuais acima da média global (que é negativa). O Brasil assumiu a liderança desse ranking no começo do ano passado e não saiu mais.
Tabela 1 – Taxas de juros atuais descontadas a inflação projetada para os próximos 12 meses (EX ANTE)
País | Juros reais – fevereiro/2023 |
Brasil | 7,38% |
México | 5,53% |
Chile | 4,71% |
Colômbia | 3,04% |
Hong Kong | 2,35% |
Indonésia | 2,34% |
Filipinas | 2,24% |
Israel | 1,44% |
África do Sul | 1,37% |
Índia | 1,28% |
China | 0,29% |
Nova Zelândia | 0,21% |
Hungria | 0,08% |
Malásia | 0,07% |
Estados Unidos | -0,03% |
Reino Unido | -0,95% |
Suíça | -1,48% |
Japão | -1,50% |
Rússia | -1,61% |
Taiwan | -1,61% |
Coreia do Sul | -1,90% |
Cingapura | -1,98% |
Canadá | -2,12% |
França | -2,40% |
Austrália | -2,56% |
Dinamarca | -4,17% |
Tailândia | -4,19% |
Portugal | -4,30% |
Suécia | -4,43% |
Áustria | -4,74% |
Espanha | -4,74% |
Alemanha | -4,92% |
Itália | -4,92% |
Grécia | -5,57% |
Bélgica | -6,38% |
Polônia | -6,49% |
República Checa | -6,99% |
Holanda | -7,39% |
Turquia | -8,00% |
Argentina | -19,61% |
Média | -2,07% |
Fonte: MoneYou & Infinity Asset Management. Ranking Mundial de Juros Reais – Fev/23
Duas consequências
A subida de juros não é apenas a ferramenta do Banco Central para combater a inflação, ela tem consequências concretas em outras searas. Vejamos duas delas.
Primeiro. A taxa básica de juros (a SELIC) é parâmetro para todas as outras taxas de juros do país. Quando sobe a SELIC, também sobem diretamente ou indiretamente todas as outras taxas, como a do rotativo do cartão de crédito, do empréstimo no banco e mesmo dos investimentos produtivos. Tudo fica mais caro, prejudicando a renda da população (empobrecendo quem tem que tomar empréstimo ou não paga uma conta no vencimento) e quem vai investir na economia de verdade. O custo do empréstimo sobe para quem quer comprar alguma coisa para tocar o seu negócio: um computador, construir um imóvel, adquirir um carro para trabalhar como motorista, qualquer coisa. Por isso Lula diz que o BC está “jogando contra” a recuperação econômica, com os juros altos o custo do dinheiro se eleva, desincentivando novos investimentos.
Segundo. Tudo isso tem um custo fiscal. A SELIC saiu de 2% em meados de 2020 para os atuais 13,75%. Com isto, os gastos anuais do governo federal com juros aumentaram em R$ 274 bilhões. Isso equivale a quase o dobro da PEC de Transição. É dinheiro que sai do Tesouro diretamente para o bolso dos detentores da dívida pública. Isso aumenta a própria dívida e atinge em cheio a capacidade de investimento em políticas públicas/sociais/econômicas. Dentre isto, o reajuste dos servidores. Cada ponto percentual de aumento nos juros custou mais de R$ 20 bilhões para os cofres públicos, o dobro dos R$ 11,2 bilhões que o governo reservou para conceder os 9% de reajuste para os servidores em 2023.
Em síntese, quanto mais agressiva for a taxa de juros, mais o servidor vai pagar de juros nas suas contas atrasadas e empréstimos e menor será o espaço fiscal para o governo repor o poder de compra, que apenas ao longo do governo Bolsonaro foi deteriorado em aproximadamente 35%.
Por isto é importante que os sindicatos que representam servidores públicos federais entrem na pressão para diminuir os juros. Afinal de contas, não se justificam e ainda afundam a já combalida economia brasileira.