Assédio moral eleitoral ou a versão contemporânea do voto de cabresto

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*Por Cacau Pereira

Durante a última eleição e, particularmente, no segundo turno da eleição presidencial, uma praga tomou conta de inúmeras corporações empresariais: o assédio sobre trabalhadores para que votassem no candidato indicado pelo patrão.

O Ministério Público do Trabalho recebeu 2.481 queixas e denúncias até o dia 30 de outubro, data da realização do segundo turno. O Sudeste, com 979 denúncias, foi a região “campeã”, seguida pelas regiões Sul (735), Nordeste (432), Centro-Oeste (206) e a Região Norte (129).

O Estado com mais registros foi Minas Gerais, isolado com 571 casos, seguido do Paraná com 282, São Paulo com 260 e Rio Grande do Sul com 231 queixas e denúncias.

O número de empresas envolvidas com essa ação ilegal subiu de 98 nas eleições de 2018 para 1947 nas eleições de 2022. Para que se tenha ideia da proliferação desse crime contra a organização do trabalho, no mesmo ano de 2018 foram 212 os casos que chegaram ao Ministério Público, denunciando assédio eleitoral por parte do patronato. Ou seja, um crescimento de quase doze vezes no número de denúncias.

O assédio eleitoral é uma variante do assédio moral, que já discutimos em artigos anteriores. Envolve a prática de coação, pressão, ameaça de demissão caso o trabalhador não vote no candidato indicado pelo patrão. Pode também envolver promessa de alguma vantagem ou benefício, neste caso, se o trabalhador votar no indicado pelo patrão.

Filmagens, mensagens escritas ou por áudio demonstraram uma verdadeira ação orquestrada e organizada por apoiadores do candidato a presidente Jair  Bolsonaro (PL), que ainda deve render problemas penais aos envolvidos, dada a gravidade dos fatos.

Embora não seja uma novidade no Brasil, a extensão da ação dos empresários em conluio com apoiadores de um dos candidatos a presidente chamou a atenção das autoridades, obrigando o MP e a Justiça a desenvolverem uma ação enérgica contra os infratores.

De volta aos tempos da República Velha?

O período da chamada República Velha ou Primeira República (1889 a 1930) foi marcado pelo domínio das oligarquias, pelo clientelismo e coronelismo. As unidades da Federação gozavam de autonomia política e econômica mais ampla e o peso político dos governadores era bastante grande. Os primeiros governos republicanos foram encabeçados por militares, mas a maior parte desse período ficou marcada pela política do café com leite, que alternava representantes das principais oligarquias (São Paulo e Minas Gerais) no controle do aparato estatal.

Patrimonialismo

O conceito tem origem na obra do sociólogo alemão Max Weber (1864-1920) e qualifica um modo específico de dominação ou de poder, que atinge as esferas econômica e sociopolítica, em que as esferas pública e privada confundem-se e, muitas vezes, tornam-se quase indistintas.

Esse fenômeno foi estudado por diversos pensadores importantes como Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Raymundo Faoro e Florestan Fernandes, dentre outros. Para quem quiser aprofundar o estudo do tema, a obra de Faoro “Os Donos do Poder – Formação do patronato político brasileiro” é considerada um clássico.

A República Velha foi marcada pelo coronelismo, que encarnava a expressão local do patrimonialismo no líder paternalista que, ocupando o cargo de governador ou de prefeito, transformava o seu domínio de atuação política em uma extensão de sua casa ou de sua fazenda.

É dessa época a expressão “voto de cabresto”, prática política dos coronéis que obrigavam os empregados de suas fazendas ou mesmo servidores públicos a votar no candidato da preferência da liderança política e econômica da região que, em geral, se confundiam na mesma pessoa.

O assédio moral eleitoral que assistimos nas últimas semanas tem tudo a ver com essa prática política que já deveria estar banida das instituições políticas e da democracia brasileira.

 * Cacau Pereira é pesquisador do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (IBEPS) e colabora com o Departamento de Formação do Sinditest PR

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