Maria da Penha, 72 anos, é símbolo da luta contra a violência doméstica. Seu ex-marido a agrediu por 23 anos e tentou assassiná-la duas vezes, o que a deixou paraplégica. Seu caso se arrastou por anos na justiça brasileira, e só foi resolvido quando chegou à Organização dos Estados Americanos (OEA). Como retaliação pela negligência, o Brasil foi obrigado a criar uma legislação de combate à violência contra a mulher: a Lei Maria da Penha, sancionada em 2006.
1. A senhora e seu ex-marido se conheceram quando faziam pós-graduação. Ele era professor universitário. Sua história mostra que mulheres de todas as classes sociais e escolaridades podem ser vítimas de violência doméstica?
Sim, com certeza. O que acontece é que com a chegada da Lei Maria da Penha, muitas mulheres condição social melhor conseguem sair da situação de violência sem se expor numa delegacia, elas têm seus advogados, e as coisas não ficam muito visíveis para a sociedade. Mas eu sou prova de que para a violência doméstica não existe classe social, todas as mulheres de todos os tempos sofreram e sofrem violência doméstica.
2. A parte financeira é uma questão que impede as mulheres de denunciar?
Sim, principalmente quando a mulher é de classes sociais mais altas, quando ela não tem renda compatível com a educação que os filhos têm, muitas vezes ela escolhe se manter no relacionamento por conta dessa questão. Porque não vai ter condição de dar o mesmo nível de lazer e educação.
3. O que mais dificulta a denúncia?
Muito são os fatores. Além da questão econômica, a questão da mulher gostar demais da pessoa, e vivenciar o ciclo da violência doméstica. O homem agressor pede perdão, diz que não vai mais repetir aquele ato, começa a presentear a mulher, e torna a agredir essa mulher. Duas coisas podem acontecer, ou ela decide sair do ciclo ou fica com aquela sensação de que não pode reverter aquele quadro. Ela perde o estímulo de vida e de procurar um centro de referencia ou uma delegacia da mulher porque está fragilizada emocionalmente. É necessário que exista em todos os municípios o centro de referência, onde a mulher será orientada através de uma equipe de advogados, assistentes sociais e psicólogos, vai se inteirar sobre seus direitos e com essa equipe achar o caminho que ela deve recorrer, e decidir se vai continuar ou não no relacionamento.
4. Por que os homens agridem suas companheiras?
A cultura machista é determinante dessa situação. Ao longo da história muitos desses agressores viram seu pai bater na sua mãe, seu avô bater na sua avó, isso sendo considerado normal. O homem sendo provedor, com todos o respeitando, há uma dificuldade de domínio sobre esse homem, que partir para a agressão. É lamentável que o Brasil ainda não tenha acatado uma determinação que a Organização dos Estados Americanos (OEA) colocou no meu caso, que é o investimento na educação, nos ensinos fundamental, médio e universitário, para desconstruir isso que se perpetua há muitos anos.
5. Seria a educação voltada para questões de gênero?
Exatamente, para desconstruir o machismo, porque os homens se sentem superiores às mulheres. Foram criados como superiores e isso precisa ser desconstruído, essa desconstrução só acontece através da educação.
6. Ter uma rede de apoio de mulheres – amigas, familiares – é importante para a prevenção da violência ou para escapar de situações de risco?
Muito importante. Muitas vezes a família dessa mulher também é machista. Ela condena a mulher que quer sair da relação. Como a família foi criada nesse regime de machismo, diz “você não está sabendo cumprir seus deveres de dona de casa e de mãe, procure mudar seu jeito”, culpa a mulher pela violência do marido. Muitos familiares acham que a esposa é a responsável.
7. Quais são os desafios que a Lei Maria da Penha enfrenta no combate à violência?
A lei tem que se trabalhada para ser cumprida, isso ainda não é uniforme no país. Os gestores dos pequenos municípios agem como se não existisse violência contra a mulher. Estão sendo omissos demais, mesmo nas grandes cidades. Tem que ter conduta muito firme do gestor para que haja mais delegacias da mulher, mais centros de referência, mais casas-abrigo e mais juizados, para atender a enorme demanda que chega ao poder judiciário. No caso das mulheres dos pequenos municípios que não tem apoio na política pública, se orientem pelo número 180, é gratuito, funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana. Ligue e vá procurar ajuda onde for informado.