Direitos previdenciários na mira da Reforma Administrativa

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*Por Cacau Pereira

A proposta de Reforma Administrativa acaba com o atual regime jurídico dos servidores e cria cinco novos vínculos na administração pública. São eles: i. o vínculo de experiência; ii. O vínculo por prazo determinado; iii. O cargo com vínculo por prazo indeterminado; iv. o cargo típico de Estado; e v. o cargo de liderança e assessoramento.

Cada um desses vínculos terá relações distintas com os regimes de previdência. Os servidores públicos civis passaram por inúmeras reformas em seu regime de previdência nos últimos anos e hoje já não têm muitos direitos que foram conquistados na época da promulgação da Constituição de 1988.

Dentre as principais mudanças destacam-se a perda da paridade com os servidores da ativa; o fim da integralidade dos vencimentos; a limitação dos valores dos benefícios ao teto do INSS; a constituição de regimes próprios contributivos; o estabelecimento do regime de previdência complementar; a definição de contribuição para inativos; o tempo de contribuição mínimo de 25 anos para se aposentar, enquanto no INSS o tempo mínimo é de 15 anos; o estabelecimento de idade mínima para aposentar; o aumento das alíquotas de contribuição e, ainda, a limitação para o acúmulo de benefícios, como aposentadorias e pensões por morte.

Depois de tantas mudanças e com muitos planos previdenciários em fase de acumulação de reservas, a PEC 32 traz em seu texto formulações que podem enfraquecer os regimes próprios de previdência e, no futuro, levar esses fundos ao desequilíbrio atuarial, colocando em risco o pagamento dos benefícios previdenciários para os servidores públicos.

A PEC estabelece que estarão amparados pelo regime próprio de previdência social somente os servidores com vínculo de experiência, os servidores de cargo com vínculo por prazo indeterminado ou de cargo típico de Estado.

Por outro lado, estarão automaticamente vinculados ao Regime Geral de Previdência Social, além dos servidores ocupantes de cargos em comissão, de vínculo temporário ou ocupantes de emprego público – hoje já é assim – também os servidores com vínculo por prazo determinado e aqueles admitidos exclusivamente para cargo de liderança e assessoramento.

Pode parecer, à primeira vista, que guarda certa coerência a determinação da proposta. No entanto, o texto estabelece que todos os entes federativos (União, estados, municípios e o Distrito Federal) poderão vincular, por meio de lei complementar, no prazo de dois anos da entrada em vigor da PEC, os demais servidores ao Regime Geral da Previdência.

À exceção dos cargos típicos de Estado, que seguirão vinculados aos regimes próprios, os cargos com vínculo por prazo indeterminado, inclusive durante o vínculo de experiência, poderão aderir ao regime geral, em caráter irretratável.

O que são os RPPS

Um regime próprio de previdência social é aquele estabelecido no âmbito de um ente federativo e assegura aos servidores titulares de cargo efetivo, pelo menos, os benefícios de aposentadoria e pensão por morte previstos na Constituição. Cada ente pode criar o seu. A União e os estados tem seus regimes próprios, mas muitos municípios não têm e os seus servidores estão vinculados ao Regime Geral da Previdência (INSS).

Qualquer fundo de previdência pública – e aqui estamos falando dos regimes próprios – deve se pautar pelo equilíbrio atuarial, ou seja, deve garantir que as receitas previdenciárias cobrirão as despesas, no futuro. Para isso se valem da ciência atuarial e são sempre revisados, para garantir que o fluxo entre receitas e despesas esteja bem avaliado.

A maioria desses fundos opera no regime financeiro de repartição simples, também conhecido como regime orçamentário. A lógica é elementar: faz-se a divisão entre os contribuintes das despesas com o pagamento dos benefícios em manutenção. É um regime que não prevê a formação de reservas, sendo adotado pelas previdências públicas em quase todos os países do mundo.

Pode-se dizer que esse regime propõe um pacto direto entre gerações, pois os trabalhadores ativos (geração atual) pagam os benefícios dos inativos (geração passada), enquanto o pagamento dos seus próprios benefícios dependerá de a geração futura (novos trabalhadores que ingressarem no sistema previdenciário) manter o pacto intergeracional.

O enfraquecimento dos regimes próprios dos servidores poderá levar a situações de desequilíbrio atuarial, na medida em que os servidores mais velhos forem para a inatividade e não houver ingresso de novos servidores, que contribuiriam para manter esses fundos equilibrados.

Se isso vier a ocorrer, é provável que as alíquotas de contribuição sejam majoradas para os servidores ativos, ou haja a imposição de contribuição para os inativos (aposentados e pensionistas) ou mesmo a redução de benefícios. Outra possibilidade é que esses fundos entrem em extinção e migrem os servidores para o INSS.

E, se tudo isso for insuficiente, não se descarta que o regime de repartição venha a ser abandonado e entre, em seu lugar, um regime de capitalização, uma espécie de conta de poupança individual do servidor, a ser sacada no futuro, sem garantia de equivalência com o salário da ativa. Essa era a proposta inicial de Paulo Guedes na última reforma da previdência, mas ele teve que recuar.

Os fatores que mais impactam um regime de repartição estão vinculados às variáveis demográficas (natalidade e longevidade) e às taxas de emprego, ou seja, o número de contribuintes que estão no plano. Por isso a base de contribuintes precisa ser sempre renovada, para garantir esse pacto intergeracional.

Portanto, não é exagero supor que o enfraquecimento dos fundos próprios pode ser parte de uma política que visa levar os regimes dos servidores a uma situação de desequilíbrio de tal monta que não restem alternativas, a não ser uma nova reforma da previdência, com teto de benefícios ainda mais rebaixado e a capitalização individual como alternativa.

Essa é mais uma razão para que se construa uma ampla unidade e lutemos pela derrota dessa famigerada Reforma Administrativa.

**Cacau Pereira é advogado com especialização em Direito Público, Mestre em Educação e pesquisador do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (Ibeps).

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